São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"ÁRVORE DA VIDA"

Farhad Mehranfar faz libelo contra a destruição do ambiente causada pelo modo de vida ocidental

Natureza é personagem de filme iraniano

FLÁVIA CESARINO COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A neve cai sem parar e anuncia um inverno rigoroso nas montanhas, onde homens e mulheres têm de lutar com muito esforço pelo sustento de suas famílias. Um menino recém-nascido é embalado pela mãe, que lhe conta os mistérios da natureza, as cores da primavera e o enigma do amor entre ela e o pai da criança.
O diretor Farhad Mehranfar quer que seus filmes sirvam como uma enciclopédia cultural do Irã. Mas, enquanto a maioria dos 60 filmes anuais produzidos em seu país lida com problemas urbanos, sociais e familiares, os dele preferem falar dos grupos étnicos que formam o país.
Fazer filmes é, para Mehranfar, uma maneira de preservar partes da cultura iraniana que, de outra forma, tendem a se perder para as gerações futuras, com a crescente ocidentalização.
Por isso faz todo o sentido que "Árvore da Vida" fale do cotidiano e dos valores das tribos de pastores nômades que vivem nas brumosas montanhas de Talesh, na província iraniana de Gilan.
O filme mostra com precisão etnográfica (e uma composição plástica de tirar o fôlego) a vida cotidiana desse povo, suas crenças e rituais.
A tribo Talesh vive de acordo com costumes ancestrais e tudo é sincronizado com as estações do ano. O inverno é uma batalha que ninguém sabe se vai conseguir vencer, a primavera é um momento de encontro entre tribos, casamentos, festas.
A beleza das imagens não é apenas um pano de fundo, mas existe para fazer refletir. Mehranfar é um ecologista convicto, para quem o estilo de vida ocidental tem causado grandes estragos ao ambiente. Seus filmes são chamados de "documentários dramatizados", em que retratar a exuberância da natureza e a singeleza do trabalho humano para transformá-la é tão ou mais importante que o desempenho dos atores.
De fato, sua opção por atores não-profissionais dá às cenas uma teatralidade, que pode parecer artificial aos nosso olhos viciados pela ligeireza hollywoodiana.
Olhos que, justamente por isto, bem merecem um descanso meditativo. O diretor não se preocupa pelo fato de "Árvore da Vida" ter um ritmo menos frenético do que o do Ocidente. Ele acha que no Irã a vida tem um andamento mais lento e, por isso, os filmes iranianos só podem refletir esse ritmo.
É interessante notar que, se os homens possuem a força, as mulheres da tribo são as donas da palavra. Enquanto eles permanecem em silêncio, elas dão ordens aos homens e também umas às outras, com seus gritos melodiosos. Diferente da imagem urbana de submissão feminina criada pelo fundamentalismo, mostrada em outros filmes iranianos, como "O Círculo", de Jafar Panahi.


Flávia Cesarino Costa é historiadora de cinema e autora de "O Primeiro Cinema" (Scritta, 1995)

Árvore da Vida
The Tree of Life
   
Direção: Farhad Mehranfar
Produção: Irã, 1998
Com: Anis Shakouri, Omid Amiri, Adeleh Shakoori, Jian Amir Rezvani
Quando: a partir de hoje no Top Cine




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