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CINEMA/ESTRÉIA
"ÁRVORE DA VIDA"
Farhad Mehranfar faz libelo contra a destruição do ambiente causada pelo modo de vida ocidental
Natureza é personagem de filme iraniano
FLÁVIA CESARINO COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A neve cai sem parar e anuncia um inverno rigoroso nas
montanhas, onde homens e mulheres têm de lutar com muito esforço pelo sustento de suas famílias. Um menino recém-nascido é
embalado pela mãe, que lhe conta
os mistérios da natureza, as cores
da primavera e o enigma do amor
entre ela e o pai da criança.
O diretor Farhad Mehranfar
quer que seus filmes sirvam como
uma enciclopédia cultural do Irã.
Mas, enquanto a maioria dos 60
filmes anuais produzidos em seu
país lida com problemas urbanos,
sociais e familiares, os dele preferem falar dos grupos étnicos que
formam o país.
Fazer filmes é, para Mehranfar,
uma maneira de preservar partes
da cultura iraniana que, de outra
forma, tendem a se perder para as
gerações futuras, com a crescente
ocidentalização.
Por isso faz todo o sentido que
"Árvore da Vida" fale do cotidiano e dos valores das tribos de pastores nômades que vivem nas
brumosas montanhas de Talesh,
na província iraniana de Gilan.
O filme mostra com precisão etnográfica (e uma composição
plástica de tirar o fôlego) a vida
cotidiana desse povo, suas crenças e rituais.
A tribo Talesh vive de acordo
com costumes ancestrais e tudo é
sincronizado com as estações do
ano. O inverno é uma batalha que
ninguém sabe se vai conseguir
vencer, a primavera é um momento de encontro entre tribos,
casamentos, festas.
A beleza das imagens não é apenas um pano de fundo, mas existe
para fazer refletir. Mehranfar é
um ecologista convicto, para
quem o estilo de vida ocidental
tem causado grandes estragos ao
ambiente. Seus filmes são chamados de "documentários dramatizados", em que retratar a exuberância da natureza e a singeleza
do trabalho humano para transformá-la é tão ou mais importante que o desempenho dos atores.
De fato, sua opção por atores
não-profissionais dá às cenas
uma teatralidade, que pode parecer artificial aos nosso olhos viciados pela ligeireza hollywoodiana.
Olhos que, justamente por isto,
bem merecem um descanso meditativo. O diretor não se preocupa pelo fato de "Árvore da Vida"
ter um ritmo menos frenético do
que o do Ocidente. Ele acha que
no Irã a vida tem um andamento
mais lento e, por isso, os filmes
iranianos só podem refletir esse
ritmo.
É interessante notar que, se os
homens possuem a força, as mulheres da tribo são as donas da palavra. Enquanto eles permanecem
em silêncio, elas dão ordens aos
homens e também umas às outras, com seus gritos melodiosos.
Diferente da imagem urbana de
submissão feminina criada pelo
fundamentalismo, mostrada em
outros filmes iranianos, como "O
Círculo", de Jafar Panahi.
Flávia Cesarino Costa é historiadora de
cinema e autora de "O Primeiro Cinema"
(Scritta, 1995)
Árvore da Vida
The Tree of Life
Direção: Farhad Mehranfar
Produção: Irã, 1998
Com: Anis Shakouri, Omid Amiri, Adeleh
Shakoori, Jian Amir Rezvani
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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