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Crítica/"Sonhos com Xangai"
Diretor faz parábola sobre a China
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Quando a ficção escolhe
a política como tema,
costuma assumir um
tom didático e redundante,
quase sempre insistindo numa
lição sobre a liberdade e a
opressão, como voltou a ser freqüente na nova onda de filmes
engajados.
Sob regimes mais fechados,
os cineastas são levados a escolher vias mais sinuosas para alcançar seus objetivos críticos
de forma menos explícita e, assim, escapar dos olhos dos censores locais.
No caso da China, o exemplo
maior dessa estratégia enviesada pode ser visto na obra de Jia
Zhang-ke ("Plataforma", "O
Mundo", "Still Life"), cineasta
que explora os efeitos devastadores das enormes mutações
sociais a partir de parábolas sobre indivíduos sem rumo depois que os ideais coletivistas se
esboroaram.
Numa escala menor, encontra-se o trabalho de Wang
Xiaoshuai, cronista perspicaz
do outro lado da nova revolução chinesa, já conhecido desde
"Bicicletas de Pequim".
"Sonhos com Xangai" recua a
um passado recente, os anos
80, para projetar os efeitos das
decisões da grande política sobre as relações individuais.
Seu ambiente é uma vila, nas
fronteiras com a então União
Soviética, para onde o governo
chinês havia deslocado trabalhadores para um território
pouco ocupado e, com isso, bloqueado os riscos do expansionismo soviético.
O filme retrata os conflitos
geracionais no interior de uma
família transferida, opondo um
pai autoritário a uma filha que
busca encontrar linhas de fuga
sob a ordem repressiva.
Com a máscara de melodrama (um amor adolescente contrariado pela rigidez da posição
paterna), Xiaoshuai constrói
uma parábola sobre as mutações disparadas na sociedade
chinesa a partir daquela época.
Uma das características do
gênero encontra-se reafirmada
aqui no uso simbólico de cores,
como a refletir os estados de alma dos personagens.
Aos cinzas dos espaços interiores e aos marrons enlameados dos exteriores, o diretor
contrasta o elemento rebelde
através dos coloridos das roupas e de um simbólico vermelho de um par de sapatos, que
dispara o conflito na família.
Mas é na construção e no desenvolvimento quase subterrâneo dos afetos que Xiaoshuai
conquista o espectador. O filme, narrado de forma tradicional, registra em pequenas situações cotidianas todo o processo de repressão, traduzido
na contenção dos gestos, que,
por sua vez, vai constituir válvulas de escape sob a forma de
rebeldia juvenil (nas roupas,
cabelos e atitudes).
Com base numa situação de
conflito melodramático, Xiaoshuai traduz o desenraizamento
vivido por seus personagens na
perspectiva da intimidade.
Em sua narrativa aparentemente neutra e objetiva, focalizada na passagem do tempo
através da crônica das horas e
dos dias, "Sonhos com Xangai"
enxerga com profundo pessimismo a crença no progresso.
SONHOS COM XANGAI
Direção: Wang Xiaoshuai
Produção: China, 2005
Com: Gao Yuanyuan, Li Bin
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol e Unibanco Arteplex
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