São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007

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Crítica/"Sonhos com Xangai"

Diretor faz parábola sobre a China

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Quando a ficção escolhe a política como tema, costuma assumir um tom didático e redundante, quase sempre insistindo numa lição sobre a liberdade e a opressão, como voltou a ser freqüente na nova onda de filmes engajados.
Sob regimes mais fechados, os cineastas são levados a escolher vias mais sinuosas para alcançar seus objetivos críticos de forma menos explícita e, assim, escapar dos olhos dos censores locais.
No caso da China, o exemplo maior dessa estratégia enviesada pode ser visto na obra de Jia Zhang-ke ("Plataforma", "O Mundo", "Still Life"), cineasta que explora os efeitos devastadores das enormes mutações sociais a partir de parábolas sobre indivíduos sem rumo depois que os ideais coletivistas se esboroaram.
Numa escala menor, encontra-se o trabalho de Wang Xiaoshuai, cronista perspicaz do outro lado da nova revolução chinesa, já conhecido desde "Bicicletas de Pequim".
"Sonhos com Xangai" recua a um passado recente, os anos 80, para projetar os efeitos das decisões da grande política sobre as relações individuais.
Seu ambiente é uma vila, nas fronteiras com a então União Soviética, para onde o governo chinês havia deslocado trabalhadores para um território pouco ocupado e, com isso, bloqueado os riscos do expansionismo soviético.
O filme retrata os conflitos geracionais no interior de uma família transferida, opondo um pai autoritário a uma filha que busca encontrar linhas de fuga sob a ordem repressiva.
Com a máscara de melodrama (um amor adolescente contrariado pela rigidez da posição paterna), Xiaoshuai constrói uma parábola sobre as mutações disparadas na sociedade chinesa a partir daquela época.
Uma das características do gênero encontra-se reafirmada aqui no uso simbólico de cores, como a refletir os estados de alma dos personagens.
Aos cinzas dos espaços interiores e aos marrons enlameados dos exteriores, o diretor contrasta o elemento rebelde através dos coloridos das roupas e de um simbólico vermelho de um par de sapatos, que dispara o conflito na família.
Mas é na construção e no desenvolvimento quase subterrâneo dos afetos que Xiaoshuai conquista o espectador. O filme, narrado de forma tradicional, registra em pequenas situações cotidianas todo o processo de repressão, traduzido na contenção dos gestos, que, por sua vez, vai constituir válvulas de escape sob a forma de rebeldia juvenil (nas roupas, cabelos e atitudes).
Com base numa situação de conflito melodramático, Xiaoshuai traduz o desenraizamento vivido por seus personagens na perspectiva da intimidade. Em sua narrativa aparentemente neutra e objetiva, focalizada na passagem do tempo através da crônica das horas e dos dias, "Sonhos com Xangai" enxerga com profundo pessimismo a crença no progresso.


SONHOS COM XANGAI    
Direção: Wang Xiaoshuai
Produção: China, 2005
Com: Gao Yuanyuan, Li Bin
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol e Unibanco Arteplex


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