São Paulo, segunda, 9 de março de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
Bourdelle quer sair da sombra de Rodin

CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

A vida de Emile-Antoine Bourdelle (1861-1929) não foi das mais fáceis. De origem humilde, filho de um marceneiro-entalhador, o escultor francês teve que ganhar a vida cedo, para então poder sair de sua cidade natal, Montalban, e tentar conquistar Paris.
Foi um grande escultor e poderia ter se tornado ainda maior, não tivesse -azar dos azares- sido ele contemporâneo de Rodin e sofrido, como poucos, a angústia da influência.
Mesmo com a força das expressões atormentadas de suas criações e com a excelência de seus retratos, não conseguiu escapar das comparações que, com justiça, favoreciam Rodin.
A Pinacoteca tenta, a partir de hoje, tirar o escultor dessa inevitável sombra. Apresenta 53 esculturas em bronze provenientes do acervo do museu Bourdelle (Paris) e da coleção de Rhodia Dufet Bourdelle. As obras cobrem o período entre 1883 e 1929.
"Fica sempre difícil tratar das qualidades de Bourdelle relacionando-o a Rodin, mas podemos dizer que ele estava na origem de uma verdadeira revolução na escultura moderna, que gerou nomes como Brancusi e Picasso", disse a curadora da mostra, Veronique Gautherin. "Mas ele sabia que deveria se colocar em relação a essa influência que o oprimia, senão seria condenado a ser eternamente um "sub-Rodin'", complementou.
Bourdelle viveu atormentado na confluência dos dois séculos. Melancólico, viu o declínio da tradição em favor da modernidade. Era um amante da mitologia grega e da Antiguidade clássica, mas também flertava com os simbolistas, que representam um momento anterior à abstração.
Na mitologia grega, não se ateve apenas ao seu rico imaginário, repleto de centauros, minotauros, faunos, heróis, ninfas e divindades, representados em alguns trabalhos na mostra, como "Hércules e Caco", "Fauna e Cabras" e "Centauro Morrendo".
"Bourdelle sempre se colocou em relação aos problemas que se apresentavam. Sua "Cabeça de Apolo', por exemplo, tem uma base cubista. Naquele momento, deixa de ser apenas uma sustentação para o trabalho e passa a fazer parte da obra", disse a curadora.
Bourdelle também se interessava pelo diálogo estabelecido pelos gregos entre escultura e a arquitetura. Nos relevos criados para o teatro de Champs-Elysées (1910/1913), em que desenvolveu temas como "Meditação de Apolo", "Eros e Psiquê", "Leda e Zeus", "Queda de Ícaro" e "Orfeu e Eurídice", Bourdelle abandonou a monumentalidade decorativa comum à época para optar por algo que se inseria no contexto arquitetônico, como ocorria com os frontões na antiga Grécia.
Com ele, a escultura deixa de ser um simples adorno para a arquitetura. Não são, certamente, questões de um gênio, mas tentativas de aceitar a modernidade sem perder contato com a tradição, que já lhe escapa entre os dedos.

Mostra: Emile-Antoine Bourdelle (53 esculturas em bronze) Onde: Pinacoteca do Estado (praça da Luz, nş 2, tel. 011/227-6329) Vernissage: hoje, às 19h Quando: de terça a domingo, das 10h às 18h Quanto: R$ 5 e R$ 2 (estudantes). Menores de 7 anos e maiores de 65 anos não pagam


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