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Corpo de Cristo alimenta espetáculo
DA REPORTAGEM LOCAL
A figura de Jesus ganhou mundialmente neste ano o corpo
bronzeado e sarado do surfista
Jim Caviezel. Ele é o protagonista
do filme "A Paixão de Cristo", de
Mel Gibson, e exibe sua boa forma
física antes do martírio.
No Brasil, o filho de Deus está
na pele de Vladimir Brichta, que
exibiu o peito nu em "Kubanacan" (2003), e de Thiago Lacerda,
mocinho dos mocinhos da Globo.
Seria "erotização" da imagem
sagrada? A Folha colocou a questão a quatro estudiosos.
A psicanalista Maria Rita Kehl
afirma acreditar que a imagem do
corpo seminu do Cristo crucificado "sempre teve forte apelo erótico, que a expressão de sofrimento
e a exposição das feridas só fazem
aumentar". A presença dos atores
de TV, diz, torna "o apelo à sensualidade mais explícito e procura
adequá-lo aos padrões de beleza
contemporâneos". "Mas sua função principal é fazer a ponte entre
essa tradicional festa popular e a
sociedade do espetáculo."
Para a antropóloga Maria Celeste Mira, professora da PUC-SP, a
imagem de Cristo está atualmente
"mais erotizada". "Jesus nunca foi
considerado feio, mas sua imagem era mais sofrida do que erótica", avalia. "Nas revistas, é notável
hoje a erotização do corpo masculino. A religião não está imune
a essas transformações e tem de se
submeter a elas para crescer", diz.
O psicanalista Contardo Calligaris, colunista da Folha, não vê
novidade no fato de galãs da Globo representarem Jesus. "A boa
teologia ensina que Cristo era perfeito também como homem. Não
é estranho que ele seja retratado
com um físico perfeito", opina.
"Segundo a teologia, era bonito.
Também devia ser razoavelmente
forte por ser marceneiro. E ter força nas pernas, já que caminhava
muito. Provavelmente era "sarado", porque havia pouca comida."
Calligaris diz que a erotização
da imagem existe, mas não é recente. "Ela foi erotizada muito cedo, provavelmente no Renascimento." Ele ressalta uma diferença entre a representação nordestina e o filme de Mel Gibson: Jim
Caviezel é bem menos popular no
mundo do que os atores da Globo
no Brasil. "Isso pode apontar para
o fato de o cinema buscar um realismo maior. Assim, o ator não
poderia se sobrepor ao papel de
Jesus. No teatro, não há tanta
preocupação com o realismo."
Na história da arte, há uma tradição de ver Cristo de forma atlética e erótica, de acordo com Jorge
Coli. Historiador da arte e professor da Unicamp, ele cita como
exemplo de um Cristo atlético o
"Juízo Final", afresco pintado por
Michelangelo na Capela Sistina
entre 1536 e 1541.
"É claro que a imagem de Jesus
sempre teve implicações eróticas.
Mas é uma conseqüência natural.
Mesmo o uso dos atores da Globo
não pode ser visto como uma erotização intencional."
(LM)
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