São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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Corpo de Cristo alimenta espetáculo

DA REPORTAGEM LOCAL

A figura de Jesus ganhou mundialmente neste ano o corpo bronzeado e sarado do surfista Jim Caviezel. Ele é o protagonista do filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, e exibe sua boa forma física antes do martírio.
No Brasil, o filho de Deus está na pele de Vladimir Brichta, que exibiu o peito nu em "Kubanacan" (2003), e de Thiago Lacerda, mocinho dos mocinhos da Globo.
Seria "erotização" da imagem sagrada? A Folha colocou a questão a quatro estudiosos.
A psicanalista Maria Rita Kehl afirma acreditar que a imagem do corpo seminu do Cristo crucificado "sempre teve forte apelo erótico, que a expressão de sofrimento e a exposição das feridas só fazem aumentar". A presença dos atores de TV, diz, torna "o apelo à sensualidade mais explícito e procura adequá-lo aos padrões de beleza contemporâneos". "Mas sua função principal é fazer a ponte entre essa tradicional festa popular e a sociedade do espetáculo."
Para a antropóloga Maria Celeste Mira, professora da PUC-SP, a imagem de Cristo está atualmente "mais erotizada". "Jesus nunca foi considerado feio, mas sua imagem era mais sofrida do que erótica", avalia. "Nas revistas, é notável hoje a erotização do corpo masculino. A religião não está imune a essas transformações e tem de se submeter a elas para crescer", diz.
O psicanalista Contardo Calligaris, colunista da Folha, não vê novidade no fato de galãs da Globo representarem Jesus. "A boa teologia ensina que Cristo era perfeito também como homem. Não é estranho que ele seja retratado com um físico perfeito", opina.
"Segundo a teologia, era bonito. Também devia ser razoavelmente forte por ser marceneiro. E ter força nas pernas, já que caminhava muito. Provavelmente era "sarado", porque havia pouca comida."
Calligaris diz que a erotização da imagem existe, mas não é recente. "Ela foi erotizada muito cedo, provavelmente no Renascimento." Ele ressalta uma diferença entre a representação nordestina e o filme de Mel Gibson: Jim Caviezel é bem menos popular no mundo do que os atores da Globo no Brasil. "Isso pode apontar para o fato de o cinema buscar um realismo maior. Assim, o ator não poderia se sobrepor ao papel de Jesus. No teatro, não há tanta preocupação com o realismo."
Na história da arte, há uma tradição de ver Cristo de forma atlética e erótica, de acordo com Jorge Coli. Historiador da arte e professor da Unicamp, ele cita como exemplo de um Cristo atlético o "Juízo Final", afresco pintado por Michelangelo na Capela Sistina entre 1536 e 1541.
"É claro que a imagem de Jesus sempre teve implicações eróticas. Mas é uma conseqüência natural. Mesmo o uso dos atores da Globo não pode ser visto como uma erotização intencional." (LM)



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