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"O SOM DA MODA"
Gravado em 1999, álbum relembra curta, porém marcante, trajetória da banda independente carioca
Disco "perdido" dá vida ao Acabou la Tequila
GUILHERME WERNECK
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
A adoração ao inacessível, à
raridade, é parte indissociável da cultura pop. No termômetro usado para medir o potencial
"cult" de uma banda, nada faz o
mercúrio subir tão facilmente
quanto um disco perdido.
Recém chegado à enorme lista
de bandas que tiveram suas gravações salvas das trevas -que vai
de Rolling Stones a Mutantes, do
Joy Division à Legião Urbana-, o
Acabou la Tequila lança, depois
de cinco anos, "O Som da Moda",
o seu álbum "póstumo".
O grupo carioca, que surgiu em
meados dos anos 90, fez só um
disco quando estava em atividade, o homônimo "Acabou la Tequila", lançado em 1994 pelo selo
independente Excelente Discos.
Na época, o álbum passou quase
despercebido pelo mainstream
no Rio de Janeiro, mas alcançou
um sucesso relativo em São Paulo.
A faixa de trabalho "Biscoito" tocou bem nas rádios roqueiras de
São Paulo, e a banda emplacou o
clipe da música na MTV.
"Em São Paulo, a gente fazia
shows das grandes rádios, ia a
programas de TV populares, essa
coisa toda", lembra o guitarrista,
baixista e produtor Kassin, 30, um
dos fundadores do Acabou la Tequila, que lança "O Som da Moda" por seu selo, o Ping Pong.
Excelente Discos era o selo de
Brian Butler e Carlos Eduardo Miranda e foi um dos primeiros a ser
incorporados pela Abril Music,
em 1998. Contratado como executivo da Abril, Butler levou com ele
o Acabou la Tequila. Só que, em
1999, com uma reviravolta de poder na gravadora e com a saída de
Butler, a banda passou de promessa a maldita, foi dispensada e
implodiu antes de estourar.
"Quando estávamos no meio da
mixagem do disco, mudou a diretoria da Abril. E as músicas de "O
Som da Moda" iam contra o que a
gravadora queria. Os executivos
não acreditavam no disco. E, pensando no que foi lançado pela
Abril depois, a gente era mesmo
um peixe fora d'água", lembra
Kassin.
"O disco ficou na geladeira e foi
uma luta conseguir os direitos dele. Até que, uns dois anos depois,
o Dado Villa-Lobos conseguiu
comprá-los, mas o selo dele, que
iria lançar o disco, também fechou", diz Kassin. "Hoje, Eu e
Berna [Ceppas] temos o Ping
Pong e achávamos que seria legal
lançar finalmente o disco. Então,
o Dado nos cedeu os direitos."
Ouvindo "O Som da Moda" hoje parece criminoso o fato de o
disco ter ficado tantos anos na
"geladeira". Mas se, por um lado,
é fácil, hoje, identificar no Acabou
la Tequila o seu rico DNA, que infectou o cenário independente do
Rio, por outro, não custa lembrar
que o meio dos anos 90 foi uma
época de faroeste no pop-rock
brasileiro, com as grandes bandas
dos anos 80 perdendo prestígio e
novos nomes, como Raimundos,
Skank e Planet Hemp ainda engatinhando.
Contudo, para ter uma dimensão do desperdício que foi o fim
prematuro do Acabou la Tequila,
basta pensar na trajetória dos
membros da banda.
O vocalista Renatinho montou
o Canastra e canta no Carne de
Segunda. O baterista Nervoso
passou pelo Beach Lizards, pelo
ícone indie carioca Autoramas e
hoje tem carreira solo como cantor. Léo Monteiro, o segundo baterista da banda, toca no Duplex e
na multiestrelar Orquestra Imperial. O baixista Donida toca na impagável Matanza. E Kassin, além
de tocar com Domenico e Moreno Veloso, é um dos melhores
produtores de hoje, tendo no currículo a produção de Los Hermanos e Caetano Veloso.
Com o disco novo na praça, a
banda voltou a fazer shows. O
mais importante aconteceu no
festival Humaitá pra Peixe, em janeiro deste ano. "Antes, tínhamos
a banda e um monte de projetos
paralelos, agora o Tequila se tornou nosso projeto paralelo", diz
Kassin, contando que o grupo
ainda compõe junto e já tem
"umas cinco músicas novas".
Mesmo assim uma pergunta fica no ar. Cinco anos depois "O
Som da Moda" faz sentido? Resposta rápida: faz todo o sentido
do mundo. O disco é uma coleção
de gemas pop e mostra as raízes
das transgressões de gêneros que
muitas bandas adotam até hoje.
Afora isso, se baseia todo num
humor que não envelheceu. Faixas ácidas como "Eu Era Pop" e
"O Som da Moda" -que tem como refrão a repetição de "Radio
Jaba", numa entonação que lembra Talking Heads- ainda são
atuais. Da mesma forma, as misturas improváveis, como o reggae
grávido de xote de "Tu É Choque"
ou o rock embebido em dixieland
de "Dallas", conseguem soar estranhamente modernas.
Como diz o hermano Marcelo
Camelo no texto para a imprensa:
"Ouça e celebre os que cultivam a
diferença em nome da unidade".
O Som da Moda
Artista: Acabou la Tequila
Lançamento: Ping Pong
Quanto: R$ 18, em média
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