São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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LIVROS

TEATRO

Tese de doutorado de Renata Pallottini sai pela coleção Primeiros Passos

"O que É Dramaturgia" oferece segura introdução ao gênero

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Ninguém escreve teatro com base em receitas", avisa Fernando Peixoto logo na primeira frase da introdução de "O que É Dramaturgia", de Renata Pallottini, e a autora reafirma isso até o último parágrafo: o que importa não é tanto a forma, mas o conteúdo, o resultado artístico.
Isso dito, a grande qualidade de Pallottini é seu poder de síntese, de trocar em miúdos intrincadas teorias e, colocando-as lado a lado, oferecer ao leitor iniciante uma apostila que o habilita a mergulhos mais profundos. Nada mais indicado, portanto, para a coleção Primeiros Passos.
Reconfiguração de sua tese de doutoramento, já publicada sob o título "Introdução à Dramaturgia", o texto não se acanha em ser uma compilação de teorias, sem procurar atingir nenhuma tese própria intricada e revolucionária. Tem o rigor acadêmico indispensável para uma obra de divulgação científica -parte de uma definição de termos, do que é método dedutivo e indutivo-, mas com um estilo descontraído, não raro lembrando uma transcrição de aula, com truques de sedução da grande professora que é Renata Pallottini.
A parte inicial é um fichamento de "European Theories of the Drama", de Barrett H. Clark, que ela segue passo a passo, de Aristóteles a Lawson, passando por Hegel, esmiuçando metodicamente ação dramática, unidade, conflito. Depois segue, por sugestão de seu mestre Augusto Boal, por uma mais técnica ainda comparação entre dramaturgia e leis dialéticas, para chegar, agora sob a tutela de Anatol Rosenfeld, no teatro épico, com suas razões próprias.
Às vezes, no programado ritmo ligeiro, algumas noções se atropelam: a noção aristotélica de "peripécia" parece se confundir com "falha trágica"; no rápido exemplo de silogismo ("a sociedade justa fará o homem feliz; o teatro político fará a sociedade justa, logo o teatro político fará o homem feliz") parece haver um endosso absoluto da épica brechtiana, reforçado pela observação categórica de que Brecht foi o primeiro a pensar no espetáculo enquanto instigador da platéia, escamoteando, pelo menos, Meyerhold. No entanto, quando o livro parece caminhar para a conclusão (ingênua, mas cada vez mais repetida) de que o teatro épico é a solução de todos os males, Pallottini faz emocionante declaração de fé no teatro poético, passando a analisar a sua própria obra, sem falsa modéstia nem automistificação.
Completado o álbum de figuras, várias conclusões se abrem para o leitor. Fica claro como cada época produz sua fórmula com base no momento sócio-político dominante: há formas mais adequadas para certo lugar em certa época, há fórmulas que são eficientes para fins determinados, mas não há a fórmula definitiva e atemporal que garanta a obra "certa", diante da qual toda outra opção deve recuar envergonhada.
Com bom humor e sem pretensão, endossando a pluralidade de caminhos, o livro oferece primeiros mas seguros passos para instrumentalizar os dramaturgos que cada vez mais se fazem necessários no teatro brasileiro.


O que É Dramaturgia
   
Autora: Renata Pallotini
Editora: Brasiliense
Quanto: R$ 14,80 (136 págs.)


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