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"CRASH"
Grande surpresa no Oscar, estréia de Paul Haggis chega às locadoras
Drama fica na corda bamba entre o cinismo e a esperança
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Escrito e dirigido por Paul
Haggis (roteirista de "Menina de Ouro"), "Crash - No Limite"
ganhou o Oscar de melhor filme,
melhor montagem e melhor roteiro original. O grande favorito
era "O Segredo de Brokeback
Mountain", que acabou sendo
mais visto e comentado. Outros
concorrentes ao prêmio, como
"Capote" e "Boa Noite e Boa Sorte", também pareceram mais
atraentes e de certo modo mais
íntegros, mais focados esteticamente do que este painel dos choques interraciais em Los Angeles.
"Crash" é um daqueles filmes
com uma dezena de histórias habilmente entrelaçadas, cheios de
personagens marcantes, sem que
nenhum acabe assumindo o primeiro plano e se "responsabilizando", por assim dizer, pela
mensagem final do roteiro. Depois de "Traffic", "Short Cuts" ou
"Faça a Coisa Certa", o risco de
falta de originalidade -tanto na
forma quanto no tema- atravessa "Crash" de ponta a ponta, e para quem assiste a ele em DVD os
defeitos e incômodos do gênero
se tornam ainda mais sensíveis.
O policial branco racista (Matt
Dillon) cuida com carinho de um
pai nas últimas; o chaveiro chicano, discriminado pela grã-fina
(Sandra Bullock), diz para a filhinha encantadora que nada de
ruim acontecerá com ela; o investigador de homicídios negro
(Don Cheadle) tem um irmão
procurado pela polícia; o procurador de Justiça branco, que aliás
é marido da grã-fina, tenta incriminar injustamente um outro policial branco, para ficar bem com a
comunidade negra; um comerciante iraquiano, a quem xingam
de "Osama", planeja vinganças
tremendas contra uma família latina, enquanto ali por perto um
chinês é vitimado por dois assaltantes negros.
Cada personagem, enfim, tem
seus conflitos, apresentados de
maneira excessivamente clara e
econômica. É só assim que dá
tempo para tantos destinos se entrechocarem ao sabor de acasos
engenhosos e de diversos acidentes de automóvel -donde o título
do filme. Como em "Traffic"
-um filme pior, menos surpreendente e acidentado-, o ar
de programa piloto de minissérie
circunda "Crash" como uma
ameaça, e isso se agrava na tela
doméstica; sem contar que a extrema tensão de algumas cenas
iniciais (a rigor uma qualidade do
filme) também incita a apertar o
"stop" do controle remoto.
Seria uma injustiça. Apesar do
esquematismo das situações
-não há personagem que não revele em meio minuto todos os
seus preconceitos e ressentimentos-, "Crash" é mais ambíguo
(para o bem e para o mal) do que
parece. À medida que a história se
desenvolve, os personagens se
descobrem diferentes do que pensavam ser, e o próprio filme desarma a sensação de previsibilidade que sua linguagem produzia
no espectador.
Em meio a uma situação que
parece absolutamente sem saída,
em que o discurso anti-racista se
torna instrumento de novas discriminações, "Crash" ressalta a
capacidade de cada indivíduo
transcender, pelos acidentes da
vida, a fatalidade social. Não é à
toa que o filme se passa num dezembro especialmente frio: as árvores decoradas, como a neve que
cai magicamente em Los Angeles,
conferem uma aura de conto natalino à violência das situações.
Com todos os ingredientes de
um drama aflitivo e realista, ao estilo de Spike Lee, produz-se, assim, um filme próximo das comédias otimistas de Frank Capra
(devo a observação a um entusiasta de "Crash", Contardo Calligaris). Baseado num sistema bem
maquinado de coincidências, batidas de carro, súbitas conversões
ao bem e reviravoltas felizes de
expectativa, o filme tem estrutura
de comédia, embalada num tema
desesperador. Cinismo ou esperança? O equilíbrio é tão milimétrico, tão virtuosístico, tão premeditado, que "Crash" não se decide
e termina tendo na habilidade do
roteiro o seu maior defeito.
Crash - No Limite
Direção: Paul Haggis
Distribuidora: Imagem; só para locação
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