São Paulo, quinta-feira, 09 de abril de 2009

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CINEMA

Crítica/ "O Equilibrista"

Documentário é elogio ao espetáculo

Filme ganhador do Oscar 2009 aborda equilibrista que atravessou as torres do World Trade Center na corda bamba em 1974

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Quase sempre dedicado aos "grandes temas humanos" (desastres da guerra, perseguições étnicas etc.), o Oscar de documentário deste ano optou por um outro caminho: premiou a reconstituição detalhada, mas também a celebração dos feitos do equilibrista francês Phillipe Petit, cuja mais notória façanha foi permanecer na corda bamba por quase uma hora, no topo do World Trade Center, em 7 de agosto de 1974.
Trata-se, à primeira vista, de uma façanha fútil. O belo filme de James Marsh parece investir nessa direção: em nenhum momento somos informados, por exemplo, do custo da operação e de como Petit levantou o dinheiro necessário, embora cada um de seus detalhes leve o espectador a formular essa pergunta (cabos enormes e pesados a ser puxados entre dois fios, material de sustentação, tempo de preparação e de estudos, equipe vindo da França etc. -tudo isso tem um custo).
Há mais que gratuidade, no entanto. O que também vemos ali, desde o projeto, é o nascimento do WTC, destruído no célebre 11 de setembro. A percepção poética de Petit é, de certa maneira, a da relevância simbólica desse conjunto, que está para o século 20 como a Torre Eiffel para o século 19.
Um segundo aspecto que dá sentido ao filme é o próprio espetáculo. A plena gratuidade do feito de Petit equivale a um elogio do espetáculo -algo que Hollywood conhece bem. Um homem arrisca a vida fazendo acrobacias sobre uma corda no alto dos dois prédios mais altos do mundo. Alguém dirá que isso é completamente besta. Pode ser. Mas como julgar a vida e os desejos de outro? O que há de interessante em Phillipe Petit é que, ao ouvi-lo, temos a impressão de que esse homem não poderia viver sem realizar esse desejo. E tão intenso ele era que arrastou a mulher e um grupo de amigos, que, aliás, correram uma série de riscos (cadeia, deportação etc.). De resto, não se pode desprezar o sólido registro visual da vida do funâmbulo francês e do episódio do WTC em particular reunido neste documentário.

Novos tempos
Existem ainda dois aspectos nada desprezíveis. O primeiro talvez tenha escapado à Academia, mas é de enorme importância: a gratuidade do feito de Petit não é uma qualquer. Ela existe na história, numa história específica. Este homem nascido em 1949 é, claramente, um filho de 1968, de sua rebeldia diante de padrões estabelecidos, de seu espírito transgressor, de seu pensamento "marxista, linha Groucho", de uma inquietude característica daquela geração.
Há, por fim, um sentido bem evidente nesta premiação. Sendo um elogio do espetáculo, do risco, da gratuidade e até da rebeldia, "O Equilibrista" não deixa de conter um claro aceno de Hollywood aos novos tempos, aos tempos pós-Bush: trata-se ainda de um elogio do equilíbrio, essa virtude tão preciosa quanto pouco valorizada, tão vital (em certas circunstâncias) quanto rara.


O EQUILIBRISTA

Direção: James Marsh
Produção: EUA/Inglaterra, 2008
Onde: em cartaz no Cine Bombril 2 e no Espaço Unibanco Augusta 4
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: bom



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