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15º É TUDO VERDADE
Filme faz retrato clandestino de país
Em "VJs de Mianmar", diretor usa filmagens ilegais de jornalistas para mostrar sociedade fechada controlada por militares
Festival de documentários abre hoje ao público em São Paulo, com programação gratuita em diversas salas até o próximo dia 18
FERNANDA EZABELLA
DA REPORTAGEM LOCAL
Se depender de jornalistas
clandestinos de Mianmar, a revolução será sim televisionada,
ainda que isso custe a vida de
alguns. Nesse país asiático, espremido entre China, Índia e
Tailândia, a maioria de seus
mais de 50 milhões de habitantes vive na miséria e sob um regime militar que perdura há
quase cinco décadas.
Um pedaço desse universo,
captado por câmeras escondidas, está em "VJs de Mianmar
-Notícias de um País Fechado",
que volta a ser exibido no É Tudo Verdade, hoje, primeiro dia
do festival aberto ao público,
após disputar o Oscar 2010.
"Sinto que o mundo se esqueceu de nós", diz um jovem no
longa-metragem. "Por isso resolvi virar vídeo repórter."
As imagens se concentram
nos protestos contra o governo
em 2007, organizados de maneira quase espontânea por jovens e monges budistas, depois
de um aumento abusivo da gasolina e da prisão de uma ativista de destaque. Foram as primeiras manifestações desde
1988, quando um levante popular esmagado pelos militares
deixou um saldo de 3.000 mortos.
"O filme não vai tirar o general do poder, mas com certeza
aumentou o nível de consciência do mundo sobre o assunto",
disse o diretor dinamarquês
Anders Ostergaard à Folha,
por telefone, na véspera da entrega do Oscar, que perdeu para "The Cove", sobre o massacre de golfinhos no Japão.
De fato, cenas de monges pacifistas sendo agredidos por
policiais rodaram o planeta na
época, com a ajuda de canais de
TV e agências de notícias internacionais. Esses cinegrafistas
trabalham para o grupo Voz
Democrática da Birmânia (nome antigo de Mianmar), sediado em Oslo, que recebe os filmes e os manda de volta para
Mianmar e outros países via satélite, em transmissões piratas.
"Esse filme não é só sobre
Mianmar, é também sobre cidadãos em geral. Fiz como uma
ferramenta da democracia, da
mudança", diz Ostergaard. "Vimos coberturas parecidas nos
protestos no Irã, por exemplo.
É uma força real de mudança."
Para fazer o filme, o diretor
contou com ajuda de "Joshua",
nome fictício de um integrante
do Voz Democrática que fica
fora de Mianmar, monitorando
e recrutando jovens. Ostergaard não ouviu o governo e
entrou no país como turista.
"Dentro do país, não há como falar com jornalistas ou ativistas porque você precisa supor que está sendo seguido o
tempo todo por informantes
ou agentes. É preciso ser muito
discreto", diz. "Os militares são
extremamente paranoicos e
tentam evitar o mundo a qualquer custo, é a filosofia deles."
Eleições 2010
A trilha sonora conta com
um nome brasileiro, Egberto
Gismonti, com trechos de "Ciranda Nordestina". "Sou um
grande fã de Gismonti, a música dele sempre me intrigou."
Em uma nova entrevista, feita ontem por e-mail, o diretor
contou que Joshua continua
treinando VJs na Tailândia e
que a Voz Democrática segue
bastante ativa, com 80 novos
repórteres. Os três que são presos durante o filme receberam
sentença de 25 anos de prisão.
"A verdade é que eles podem ficar lá para sempre", diz.
A junta militar do país planeja para 2010 as primeiras eleições em duas décadas. "Eu não
espero absolutamente nada sobre essas eleições", disse o diretor. Para ele, o pleito não passa
de "uma tramoia e pretexto para dar continuidade à gestão
militar sobre um disfarce".
VJS DE MIANMAR
Direção: Anders Ostergaard
Quando: hoje, às 15h, no Espaço
Unibanco Augusta
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