São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2010

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15º É TUDO VERDADE

Filme faz retrato clandestino de país

Em "VJs de Mianmar", diretor usa filmagens ilegais de jornalistas para mostrar sociedade fechada controlada por militares

Festival de documentários abre hoje ao público em São Paulo, com programação gratuita em diversas salas até o próximo dia 18


FERNANDA EZABELLA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se depender de jornalistas clandestinos de Mianmar, a revolução será sim televisionada, ainda que isso custe a vida de alguns. Nesse país asiático, espremido entre China, Índia e Tailândia, a maioria de seus mais de 50 milhões de habitantes vive na miséria e sob um regime militar que perdura há quase cinco décadas.
Um pedaço desse universo, captado por câmeras escondidas, está em "VJs de Mianmar -Notícias de um País Fechado", que volta a ser exibido no É Tudo Verdade, hoje, primeiro dia do festival aberto ao público, após disputar o Oscar 2010.
"Sinto que o mundo se esqueceu de nós", diz um jovem no longa-metragem. "Por isso resolvi virar vídeo repórter." As imagens se concentram nos protestos contra o governo em 2007, organizados de maneira quase espontânea por jovens e monges budistas, depois de um aumento abusivo da gasolina e da prisão de uma ativista de destaque. Foram as primeiras manifestações desde 1988, quando um levante popular esmagado pelos militares deixou um saldo de 3.000 mortos.
"O filme não vai tirar o general do poder, mas com certeza aumentou o nível de consciência do mundo sobre o assunto", disse o diretor dinamarquês Anders Ostergaard à Folha, por telefone, na véspera da entrega do Oscar, que perdeu para "The Cove", sobre o massacre de golfinhos no Japão.
De fato, cenas de monges pacifistas sendo agredidos por policiais rodaram o planeta na época, com a ajuda de canais de TV e agências de notícias internacionais. Esses cinegrafistas trabalham para o grupo Voz Democrática da Birmânia (nome antigo de Mianmar), sediado em Oslo, que recebe os filmes e os manda de volta para Mianmar e outros países via satélite, em transmissões piratas.
"Esse filme não é só sobre Mianmar, é também sobre cidadãos em geral. Fiz como uma ferramenta da democracia, da mudança", diz Ostergaard. "Vimos coberturas parecidas nos protestos no Irã, por exemplo.
É uma força real de mudança." Para fazer o filme, o diretor contou com ajuda de "Joshua", nome fictício de um integrante do Voz Democrática que fica fora de Mianmar, monitorando e recrutando jovens. Ostergaard não ouviu o governo e entrou no país como turista.
"Dentro do país, não há como falar com jornalistas ou ativistas porque você precisa supor que está sendo seguido o tempo todo por informantes ou agentes. É preciso ser muito discreto", diz. "Os militares são extremamente paranoicos e tentam evitar o mundo a qualquer custo, é a filosofia deles."

Eleições 2010
A trilha sonora conta com um nome brasileiro, Egberto Gismonti, com trechos de "Ciranda Nordestina". "Sou um grande fã de Gismonti, a música dele sempre me intrigou."
Em uma nova entrevista, feita ontem por e-mail, o diretor contou que Joshua continua treinando VJs na Tailândia e que a Voz Democrática segue bastante ativa, com 80 novos repórteres. Os três que são presos durante o filme receberam sentença de 25 anos de prisão.
"A verdade é que eles podem ficar lá para sempre", diz. A junta militar do país planeja para 2010 as primeiras eleições em duas décadas. "Eu não espero absolutamente nada sobre essas eleições", disse o diretor. Para ele, o pleito não passa de "uma tramoia e pretexto para dar continuidade à gestão militar sobre um disfarce".


VJS DE MIANMAR

Direção: Anders Ostergaard
Quando: hoje, às 15h, no Espaço Unibanco Augusta




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