São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2010

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ARTIGO

Comédias francesas chegam ao Brasil, mas não fazem rir

"Se Eu Fosse Você" francês estreia com dois anos de atraso em circuito de arte e mostra por que razão os sucessos da terra de Godard quase não chegam aqui

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Seja pelo imaginário que personalidades como Jean-Luc Godard, 79, ou Alain Resnais, 87, ajudam a nutrir, seja pela resistência histórica dos filmes de autor, o cinema francês tende a ser tomado, entre nós, como um cinema genericamente chamado "de arte".
Mas a coincidência da estreia simultânea de duas comédias produzidas nestes anos Sakorzy torna inevitável a constatação de que, lá, como aqui, a receita do sucesso - se é que receita há - foi escrita no avesso da cartilha exportada pela nouvelle vague.
O cinema de autor pode ser o que mais nos chega e o que mantém a França nos principais festivais do mundo. Mas são filmes como "A Riviera Não É Aqui" e "Nos Tempos da Disco" que, de fato, apetecem à massa do público.
Além do sucesso local e da estreia atrasada aqui, as produções têm em comum uma coreografia de cena próxima à TV e um roteiro inofensivo, estruturado a partir de protagonistas de jeitão derrotado, apresentados de forma a tirar da inadequação social sua graça.

Piada sem tradução
"A Riviera Não É Aqui" teve, na França, o mesmo efeito que "Se Eu Fosse Você 2" teve no Brasil. O filme bateu recorde atrás de recorde e, com 20 milhões de espectadores, contribuiu para que, em 2008, o cinema francês conquistasse 45,7% do mercado interno. Foi "ulalá" para todo lado.
A produção fez também com que os analistas de mercado de lá falassem o que, em 2009, falaram os daqui: o filme atraiu um público que não pisava numa sala de cinema desde "Titanic". A diferença, em relação ao Brasil, é que outro punhado de filmes foi bem nos números.
Neste ano, cinco títulos nacionais fizeram mais de 2 milhões de espectadores - "Astérix nos Jogos Olímpicos" e "Nos Tempos da Disco" entre eles. O descompasso entre o cinema francês que os franceses aplaudem e o cinema francês que os brasileiros esperam fica claro quando se descobre que aqui, em 2008, o irresistível, mas pequeno, "A Culpa É do Fidel" vendeu 130 mil ingressos enquanto "Astérix" não chegou nem nos 40 mil.
Raros são os sucessos locais que viajam bem. Algumas das exceções são "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", de Jean-Pierre Jeunet, e "A Marcha dos Pinguins", de Luc Jacquet, sucessos no mundo todo. Os campeões de 2009 - outro ano de recordes para o cinema francês -, como a comédia "Le Petit Nicolas" e a animação "Artur e a Vingança de Maltazar", permanecem inéditos no Brasil. E basta ver as duas comédias que estreiam hoje para entender a razão.
A exemplo do que acontece com as comédias brasileiras, como "Se Eu Fosse Você" e "A Mulher Invisível", as francesas estão assentadas em tiques locais, jogos de palavras e especificidades sociais que, exportadas, no lugar de gargalhadas, produzem, no máximo, um sorriso - às vezes, amarelo.
"A Riviera Não É Aqui" tem um elenco primoroso e arma simpáticos equívocos. Mas o fato de um funcionário dos correios ser transferido para o norte, quando queria ir para a Riviera, é bem menos engraçado para um brasileiro que para um francês. Seria, mais ou menos, como querer que um estrangeiro morresse de rir com piadinhas sobre paulistas ou gaúchos. Há, porém, certa graça universal que o diretor e ator Dany Boon domina.
O mesmo não se pode dizer de "Nos Tempos da Disco", que traz Gérard Depardieu na versão "vamos aí". O filme conta a história de Didier Graindorge, ou Didier Travolta, um quarentão que vive com a mãe e, para participar de um concurso de dança e tentar ganhar duas passagens para a Austrália, resolve recompor o grupo Bee Kings.
Nada do que é óbvio - das canções à roupa - ficou de fora. Dá para entender porque, em 2008, um grupo de cineastas franceses entregou, ao ministro da Cultura, um manifesto que apontava a "concentração e a banalização" do cinema local.


NOS TEMPOS DA DISCO

Direção: Fabien Onteniente
Produção: França, 2008
Com: Franck Dubosc, Emmanuelle Béart e Gerard Depardieu
Onde: Belas Artes
Classificação: 12 anos
Avaliação: ruim

A RIVIERA NÃO É AQUI

Direção: Dany Boon
Produção: França, 2008
Com: Kad Merad, Dany Boon e Zoé Félix
Onde: Cine Bombril, Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito
Classificação: 12 anos
Avaliação: regular




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