São Paulo, Sexta-feira, 09 de Abril de 1999
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Livro conta as muitas histórias de Marília Pêra


O dramaturgo Flavio de Souza lança até junho a biografia "Vissi D'Arte", que acompanha a trajetória da atriz desde a sua estréia há 50 anos


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Em torno de Marília Pêra correm histórias teatrais que podem ser verdade, podem não ser. Tem aquela do momento em que Cacilda Becker entrou no coma, no intervalo de um espetáculo, e deixou o teatro nos braços de Walmor Chagas. Sua mão pendente tocou numa jovem atriz, na platéia. Marília Pêra.
Essa história não está em "Vissi D'Arte", a biografia escrita pelo dramaturgo Flavio de Souza junto com a própria atriz, mas muitas outras estão lá, confirmadas. Outras ainda, que nem se conheciam, acrescentam novas camadas ao mito da "diva" brasileira. Diva como Maria Callas, seu personagem recente de maior impacto, na peça "Master Class" (96).
"Vissi D'Arte" não quer ser uma biografia à americana, factual e desmistificadora. Os fatos estão lá, relatados com cuidado e priorizando a carreira, mas Flavio de Souza, autor de peças como "Fica Comigo Esta Noite" e roteirista de programas como "Castelo Rá-Tim-Bum", além de ator já dirigido pela própria Marília Pêra, tem um estranho humor em seu texto.
A começar da forma. É um livro "pós-joyceano", brinca o autor, referindo-se ao escritor James Joyce e procurando descrever o amontoado de estilos de "Vissi D'Arte" -aí incluída a narrativa biográfica regular, que tem como um de seus exemplos o texto publicado abaixo, um dos primeiros capítulos do livro.
Com fotos e cerca de 400 páginas, na avaliação prévia do autor, tem de tudo em "Vissi D'Arte", de um "roteiro" para um suposto curta-metragem até um "teste", como numa revista de fofoca sobre artistas, com questões envolvendo a vida de Marília Pêra. São todos textos criados por Flavio de Souza a partir de pesquisas, relatos, entrevistas com a atriz e outros.
O livro traz depoimentos da própria atriz sobre seus "mestres", três em especial: o pai, Manuel Pêra, ator português estabelecido no Brasil, Henriette Morineau e Dulcina de Moraes.
"Madame" Morineau, atriz francesa "trágica" saída da companhia de Louis Jouvet, e Dulcina, comediante "clássica" do velho teatro brasileiro, são dois dos muitos nomes lendários que vão surgindo em "Vissi D'Arte".
Marília Pêra é uma atriz com um histórico, um aprendizado inusitado, a começar dos pais intérpretes. "O pai era mais clássico, e a mãe, Dinorah Marzullo, que trabalhou até com a Dercy Gonçalves, mais louca", descreve Flavio de Souza, em entrevista. "A Marília tem esses dois lados dentro dela. Ela tem o rigor do pai e tem a loucura da mãe."
Pai e mãe iniciaram Marília Pêra num teatro que hoje, de fato, mais parece lenda. Aos 15 anos, ela já estava no coro de "revistas" da praça Tiradentes, no Rio, em espetáculos de Max Nunes e outros. Aos 20, já havia atuado ao lado de Carvalhinho e Morineau, Colé e Paulo Autran, Bibi e Procópio Ferreira.
E era só o começo. O mito do teatro surgiria aos poucos, a partir de espetáculos como "Roda Viva" (68), de Chico Buarque, direção de Zé Celso, e "Fala Baixo Senão Eu Grito" (69), de Leilah Assunção. E a fama viria com o impacto de telenovelas como "O Cafona" (71) e "Bandeira 2" (72), da Rede Globo -embora ela já viesse atuando em televisão por mais de 20 anos.
Sobre "Roda Viva", Marília Pêra faz um relato breve do momento do ataque do CCC, o Comando de Caça aos Comunistas: "Entraram quebrando os espelhos, arrancaram minha roupa, deram socos. Saí correndo, me desviando de socos. No corredor havia mais rapazes, e enquanto fugia eu sentia cassetetes nas costas".
Por outro lado, duas décadas depois, ela apoiou a eleição de Fernando Collor, e veio nova reação: "Ela (a irmã Sandra, também atriz) veio me avisar que o público estava com dificuldade de sair porque estava passando na rua uma passeata do PT. As pessoas que estavam em cima dos carros gritavam nos microfones que naquele teatro estava uma traidora e incentivavam a multidão a xingar Marília Pêra. Eu fiquei apavorada no teatro."
São duas das muitas histórias de Marília Pêra em "Vissi D'Arte", nem todas sobre teatro -embora o palco seja o protagonista inquestionável do livro, em espetáculos como "Apareceu a Margarida" (73), "Doce Deleite" (81), "Brincando em Cima Daquilo" (84), "A Estrela Dalva" (87) -o musical que estabeleceu, no entender de Flavio de Souza, o "divismo" em torno da atriz.
Mas não faltam também passagens e histórias de cinema, com filmes como "Pixote, a Lei do Mais Fraco" (80), de Hector Babenco, e de televisão.
Numa delas, a atriz descreve no livro como criou Rafaela Alvaray, personagem de sucesso da novela "Brega e Chique" (87), com base em Dulcina.
Sobre o título, "Vissi D'Arte" ou "vivi de arte" é tirado de uma ária da ópera "Tosca", de Puccini, que traz os versos "Vivi de arte, vivi de amor/ Nunca fiz mal a nenhuma criatura viva".

Livro: Vissi D'Arte Autores: Flavio de Souza e Marília Pêra Lançamento: ed. Escrituras, previsto para sair até junho Quanto: a definir


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