São Paulo, Sexta-feira, 09 de Abril de 1999
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CRÍTICA
Filme é depuração da obra do diretor

da Equipe de Articulistas

"Paixão Perdida" é uma síntese do cinema de Walter Hugo Khouri. Não apenas porque ali estão, de modo depurado, os temas e obsessões centrais do diretor, mas também porque esse filme, ao mesmo tempo simples e complexo, concentra as principais virtudes e fraquezas estéticas de sua obra.
Os personagens masculinos de Khouri -sobretudo o empresário eternamente insatisfeito Marcelo Rondi, seu alter ego numa porção de filmes- parecem sempre oscilar entre uma inquietação vital, que os empurra à aventura erótica, e uma necessidade de repouso, ou pelo menos de equilíbrio.
Em "Paixão Perdida", o impasse existencial de Marcelo (Antonio Fagundes) é espelhado, de forma concentrada e invertida, no drama de seu filho Marcelinho (Fausto Carmona), paralisado e mudo desde que presenciou a morte da mãe, num desastre de carro.
Para fugir da dor, o menino recusa a vida e aspira ao estado inanimado da pedra, que ele passa o dia a contemplar. Para ele, a vida (numa chave psicanalítica: o desejo, o sexo) identifica-se com o fogo que consumiu sua mãe.
Marcelo, o pai, ao contrário, é todo potência e desejo de ação. Empreende, constrói, viaja, conquista mulheres. O filho paralisado é, para ele, uma grande frustração e, também, o lembrete remoto de sua própria necessidade de repouso.
O ponto em que as trajetórias opostas dos dois vão se encontrar é a jovem enfermeira Anna (interpretada por Mylla Christie), que evoca no garoto a mãe perdida e, no pai, a paz que ele quer conciliar com o desejo.
Há ainda três outras mulheres importantes: a governanta Matilde (Zezeh Barbosa), a filha mais velha de Marcelo, Berenice (Andréa Dietrich), e a namorada do empresário, Ruth (Paula Burlamaqui).
Na superfície, é um drama psicológico banal. Mas a grandeza do filme está em transcender, pela forma, a leitura meramente psicanalítica.
Na encenação, na composição dos quadros e em seu encadeamento, Khouri constrói um sutil drama geométrico, em que vários triângulos se sobrepõem e se substituem continuamente: Marcelinho-Anna-governanta; Marcelinho-pai-namorada do pai; Marcelo-filha-namorada; Marcelo-namorada-governanta; e, por fim, Marcelo-Anna-Marcelinho.
Paira sobre esse movimento contínuo a imagem recorrente da mãe morta -visão mítica e idealizada da conciliação entre o desejo e a serenidade, o fogo e a pedra.
As trajetórias paralelas de Marcelinho e seu pai são caminhos diametralmente opostos para chegar ao mesmo lugar, uma espécie de iluminação zen: a superação do impasse entre os impulsos de vida e de morte, o fim do divórcio entre o eu e o cosmo.
O que impede "Paixão Perdida" de realizar plenamente sua promessa estética são o excesso de diálogos inúteis e a interpretação inadequada da maioria dos atores (uma exceção é Fausto Carmona).
Se fechar os ouvidos aos diálogos e viajar pelas imagens e pela bela música (de Wilfred Khouri, filho do diretor, e Ruriá Duprat, sobrinho de Rogério Duprat), o espectador fruirá um lindo filme. (JGC)


Avaliação:



Filme: Paixão Perdida Direção: Walter Hugo Khouri Elenco: Antonio Fagundes, Mylla Christie, Maitê Proença, Fausto Carmona Onde: Espaço Unibanco, SP Market e Olido

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