São Paulo, Sexta-feira, 09 de Abril de 1999
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DISCO/LANÇAMENTO
Músico maranhense lança seu segundo CD, "Vô Imbolá", pesquisando tradição ao som de samples
Zeca Baleiro critica modernidade de piercing

Adriana Zehbrauskas/Folha Imagem
O cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro, 32, que está lançando seu 2º CD, posa no terraço do prédio da gravadora, na av. Paulista


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Ao que parece, o cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro, 32, não teme o confronto. Uma das palavras de ordem de "Vô Imbolá", seu segundo álbum, é a crítica à modernidade, materializada por ele no ícone do piercing.
Pois a faixa assim denominada, "Piercing", lança um espeto à cultura clubber, roubando versos de Nelson Cavaquinho para pedir, em arranjo pleno de programações eletrônicas, samples e raps: "Tire o seu piercing do caminho/ que eu quero passar com a minha dor".
"Penso que a modernidade deveria estar atrelada a um sentido de evolução, à inteligência, mas não é o que vem acontecendo. Há um descompasso, cada vez menos sabedoria para usar tecnologia."
E onde entra o piercing? "É a modernidade falseada. O princípio do piercing é de autoflagelo, algo que tinha sentido de sacrifício, de elevação espiritual. Agora é meramente cosmético, um sintoma da decadência intelectual e filosófica que vivemos. Autoflagela-se sem consciência disso, é só tendência."
Ostentando as unhas apenas de um dedo em cada mão pintadas de vermelho, diz que não está declarando guerra a clubbers e seus adereços. "Acho até bonito o piercing, usaria um no umbigo se não tivesse feito essa música. É só um símbolo, o pop em geral também se apropria descontextualizando."
Continua: "Mas os clubbers são agentes da modernidade? Tenho dúvidas. A palavra atitude se tornou uma obsessão, mas se refere só a roupa, a música, não à atitude em si. Onde há um excessivo desejo de modernidade, ela já se perdeu."
Os dedos mindinhos pintados não seriam um piercing alegórico? "É um piercing sem ser piercing. É um fetiche, uma chinfra. É contra essa modernidade que às vezes eu esbravejo, mas não estou me colocando fora desse processo."
Zeca Baleiro, afinal, se considera moderno? "Sim. Para mim ser moderno é estar inserido dentro do seu tempo de maneira comprometida, e isso eu tento fazer."
Radicado em São Paulo, vagou anos a fio no submundo da música. Tornou-se conhecido ao passar a ser citado pelo colega e parceiro Chico César e, então, ao ser eleito por Gal Costa para um dueto em seu "Acústico MTV" (97).
Dados os empurrões, seu primeiro CD, "Por Onde Andará Stephen Fry?" (97), vendeu 65 mil cópias, marca incomum para um disco de estréia no Brasil. E o ex-maldito começou a entrar no mainstream.
Nem por isso Zeca resolveu passar a ignorar as raízes "malditas". A influência de autores nem sempre comerciais e/ou bem compreendidos permeia todo seu disco. Por ele passeiam Secos & Molhados, Lou Reed, Itamar Assumpção, Zé Ramalho, Lobão, Sérgio Sampaio, Sérgio Dias, Jards Macalé, Luiz Melodia, outros tantos.
"Recontextualizando, já não sou um maldito. A ingenuidade da postura dos malditos não é mais possível. Hoje é preciso ser adaptável, estratégico. Eu quero alcançar o público, vender disco."
Explica, então, por que preserva a paixão pelos malditos. "Há uma mística em torno do sucesso que faz as pessoas fantasiarem, mas pessoalmente acho a mística do fracasso mais fascinante."
Isso o leva à investigação de possíveis fracassos próprios. "Tive mais controle neste disco que no anterior, que ficou muito aquém do que eu tinha como projeto, me deixou verdadeiramente deprimido. Estou mais seguro agora, mas não tenho nenhuma certeza de que vá fazer algum sucesso."
Ainda em "Piercing", Zeca proclama, bem em contracorrente com a MPB: "Não tenho papas na língua". Não mesmo? "Não tenho, embora seja bastante político quando quero. Mas este é um tempo de muito bom-mocismo. Há um pacto de silêncio estranho aí."
Submetido ao teste das papas na língua, ele vai. Sobre os gêneros musicais hegemônicos de agora:
"Não tenho nenhuma afinidade com axé e pagode, mas não posso deixar de reconhecer valores ali. Aquela menina, Ivete Sangalo, é talentosa. Mazzola (dono do selo MZA, em que grava) mandou uma música minha a ela. Minha conta bancária adoraria se ela gravasse".
Sobre o fenômeno Marcelo Rossi, que sem querer profetizou no CD anterior, em "Heavy Metal do Senhor" ("a banda cover do diabo acho que tá por fora/ o mercado tá de olho é no som que Deus criou"):
"Quando escrevi isso, era inverossímil. Agora acontece, com requintes de crueldade. A confusão estética e ética da aeróbica do Senhor é imoral". Acompanhando a entrevista do artista, o diretor de marketing do selo MZA (que é vinculado à Universal, do padre Marcelo), Gustavo Vianna, retruca: "Discordo das suas opiniões".
É que a MZA também prepara seu padre, o Fábio. Mas Baleiro bate pé: "Não são os caras em si. A falência é ideológica. Presenciamos um caos estético em fase terminal, e não adianta atribuir ao mercado ou à mídia -por trás delas há homens com carne, osso e alma".


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