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CINEMA/ESTRÉIAS
"CONTO DE VERÃO"
Em longa-metragem do diretor francês, imagens simples parecem até simplórias ao olhar desavisado
Evidências de Eric Rohmer ocupam a tela
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Impossível não perceber o
encanto de Margot. Qualquer
um na platéia de "Conto de Verão" percebe, assim que ela entra
em cena. Só Gaspard não nota. Só
Margot parece notar a existência
de Gaspard nessa praia da Bretanha, nas férias de verão (na praia,
aliás, Gaspard é uma triste figura).
Os pensamentos de Gaspard estão todos voltados para Lena, sua
inconstante namorada. Estarão
mesmo? "Conto de Verão" é um
filme de Eric Rohmer, portanto
tudo se passa entre o ser e o não-ser, o desejar e o não-desejar. Gaspard procura sem saber que procura (o que ou a quem).
Pode ser Lena, que combinou
encontrá-lo e nunca aparece. Mas
pode também ser Solène, garota
impulsiva, de beleza evidente, talvez evidente demais, que também
se encanta por Gaspard.
De imediato torcemos por Margot. Mas Margot não ajuda muito.
Etnóloga e garçonete numa creperie, ela se propõe a Gaspard como amiga. Seu namorado existe: é
etnólogo também, está há meses
longe e assim permanecerá.
"Conto de Verão" é, em suma,
mais um filme de Eric Rohmer e
nele acompanhamos a circulação
de Gaspard entre essas três mulheres, enquanto se dedica à composição -ele é músico.
É mais uma história da série
"Contos das Quatro Estações",
em que a natureza dá o tom, com
suas transformações de luz e atmosfera. É previsível, como Rohmer nos acostumou -em sua
obra quase tudo se ordena em séries ("Contos Morais").
Seus filmes não são, em definitivo, para quem busca carrosséis de
acontecimentos. "Conto de Verão" é mais uma dessas histórias
sem história: nada, ou quase,
acontece. Ao olhar desavisado.
Pois tudo acontece: paixões, desencantos, ciúmes e uma busca.
Tudo isso, porém, irrompe de
maneira quase subterrânea. Como se a vida, a exemplo das séries
rohmerianas, devesse obedecer a
princípios e a uma certa previsibilidade ditada pela razão, pela
crença ou pela moral.
Mas há nesses personagens algo
que escapa ao seu controle
-uma distância sutil entre o que
são e o que falam. Daí seu cinema
ser tão falado e tão cinematográfico: se não fossem filmadas, essas
falas sofreriam de falta de imagens. Elas é que nos trazem as hesitações, as expressões de corpo,
os olhares ambíguos -enfim, tudo isso que desmente o que se fala
sem desmentir de todo.
Sim, é um cinema de imagens
simples, tão diretas que parecem
quase simplórias ao olhar desavisado, acostumado a crer naquilo
que os personagens de cinema
(ou da vida real, tanto faz) dizem.
Mas como as imagens desdizem o
que é dito, impõe-se pensar se
simplórios não seríamos nós.
É difícil admitir uma coisa dessas. Talvez por isso quase ninguém goste de imediato dos filmes de Rohmer. E quase todos os
amem ao vê-los pela terceira ou
quarta vez. Compreendemos aí
que até então não víamos de verdade seus filmes, que não tínhamos olhos nem ouvidos para
apreciar essa modulação sutil. Assim como Gaspard neste "Conto
de Verão", aprenderemos então
que nada, às vezes, é menos evidente do que a evidência.
Conto de Verão
Conte d'Été
Produção: França, 1996
Direção: Eric Rohmer
Com: Melvil Poupaud, Amanda Langlet,
Gwenaëlle Simon e Aurelia Nolin
Quando: a partir de hoje no Top Cine 2
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