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Crítica/"Uma Tarde na Fruteira"
Júpiter Maçã retorna à forma com disco de estilos variados
Tropicália, Roberto Carlos e eletrônica retrô são referências do novo trabalho
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando inventou o personagem Júpiter Maçã
e, assim, definiu sua
encarnação artística, o músico
Flávio Basso, 40, criava também uma camisa-de-força.
"A Sétima Efervescência"
(1996), seu primeiro trabalho,
foi um daqueles discos capazes
de reativar a crença no circuito
independente brasileiro. Ao espírito calcado nos anos 60, na
psicodelia de Syd Barret, Mutantes e Beatles e numa sensibilidade à Roberto Carlos ele
adicionava letras espertas em
português, que exaltavam um
modo moderno de ver as relações amorosas em uma metrópole esquizofrênica. Hit alternativo, o cantor era candidato a invadir o "mainstream".
Mas, por auto-sabotagem, incapacidade, desdém pelo mercado ou mescla de tudo isso, Júpiter se afastou do sucesso. Ao adotar o inglês nas letras e fazer
discos experimentais, parecia
viver mais desse personagem
doidão de esquina do que de
reais possibilidades artísticas.
Retorno
"Uma Tarde na Fruteira",
seu novo trabalho, ganha agora
formato físico pela Monstro
Discos. É uma obra que segue
essa lógica de lenda: há tempos
as músicas circulam pela internet e há mais tempo ainda as
canções foram compostas (algumas começaram a surgir em
2003). Os rumores davam conta de que era, finalmente, a volta de Júpiter à forma. Mas a
questão, simples e cruel, é: Júpiter ainda tem relevância?
Sim. Mais do que mero imitador, Júpiter é um espírito dos
anos 60 deslocado nos dias
atuais. No disco, ele revela sua
maior fraqueza, a auto-referência excessiva que esbarra na
megalomania. Mas, se cantores
de rap podem se glorificar, por
que não ele? Há até um "Tema
de Júpiter Maçã", em que retoma versos e idéias do seu disco
de estréia. Estão na faixa a busca utópica por "um lugar do caralho", a "miss Lexotan", "as
tortas e as cucas" etc., ou seja,
uma viagem para iniciados.
Em "A Marchinha Psicótica
de Dr. Soup", a tropicália e Caetano Veloso são referências. "O
timbre do Caetano é superbacana/ Não pense que estou copiando porque eu sou banana/
Peguei emprestado pras artes
da semana", canta. E, de novo, o
acúmulo de referências: Aldous
Huxley, Woody Allen, Allen
Ginsberg, William Blake etc.
"Base Primitiva Revisitada" é
jazz eletrônico retrô, mas que
parece Stereolab, banda dos
anos 90 que vivia de reciclagens; balada sessentista estilo
Mutantes, "Little Raver" fala
sobre uma garota "de plástico";
a excelente e roqueira "Menina
Super Brasil" faz a ponte entre
o pop e o experimental, em crônica sobre o sexo feminino. Já
"Beatle George" é Júpiter imitando os ares ocidentais do ídolo do título; "Mademoiselle
Marchand" responde por uma
paixão por ícones franceses;
"Casa de Mamãe" é apenas chata ao abusar do estereótipo
"maluco beleza".
A palavra "fruteira" no título
resume bem o conceito do álbum. Tanto na definição de "árvore frutífera" quanto na de
"recipiente destinado a conter
frutas", o disco explicita aquela
que é a melhor característica de
Júpiter: a incorporação de diferentes "eus". É como se cada
faixa fosse um ingrediente de
uma caprichada salada.
UMA TARDE NA FRUTEIRA
Artista: Júpiter Maçã
Lançamento: Monstro Discos/Marquise 51 Records; disponível para download gratuito em www.myspace.
com/jupiterapple
Quanto: R$ 20 (CD)
Avaliação: ótimo
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