São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2008

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Crítica/"Uma Tarde na Fruteira"

Júpiter Maçã retorna à forma com disco de estilos variados

Tropicália, Roberto Carlos e eletrônica retrô são referências do novo trabalho

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando inventou o personagem Júpiter Maçã e, assim, definiu sua encarnação artística, o músico Flávio Basso, 40, criava também uma camisa-de-força.
"A Sétima Efervescência" (1996), seu primeiro trabalho, foi um daqueles discos capazes de reativar a crença no circuito independente brasileiro. Ao espírito calcado nos anos 60, na psicodelia de Syd Barret, Mutantes e Beatles e numa sensibilidade à Roberto Carlos ele adicionava letras espertas em português, que exaltavam um modo moderno de ver as relações amorosas em uma metrópole esquizofrênica. Hit alternativo, o cantor era candidato a invadir o "mainstream".
Mas, por auto-sabotagem, incapacidade, desdém pelo mercado ou mescla de tudo isso, Júpiter se afastou do sucesso. Ao adotar o inglês nas letras e fazer discos experimentais, parecia viver mais desse personagem doidão de esquina do que de reais possibilidades artísticas.

Retorno
"Uma Tarde na Fruteira", seu novo trabalho, ganha agora formato físico pela Monstro Discos. É uma obra que segue essa lógica de lenda: há tempos as músicas circulam pela internet e há mais tempo ainda as canções foram compostas (algumas começaram a surgir em 2003). Os rumores davam conta de que era, finalmente, a volta de Júpiter à forma. Mas a questão, simples e cruel, é: Júpiter ainda tem relevância?
Sim. Mais do que mero imitador, Júpiter é um espírito dos anos 60 deslocado nos dias atuais. No disco, ele revela sua maior fraqueza, a auto-referência excessiva que esbarra na megalomania. Mas, se cantores de rap podem se glorificar, por que não ele? Há até um "Tema de Júpiter Maçã", em que retoma versos e idéias do seu disco de estréia. Estão na faixa a busca utópica por "um lugar do caralho", a "miss Lexotan", "as tortas e as cucas" etc., ou seja, uma viagem para iniciados.
Em "A Marchinha Psicótica de Dr. Soup", a tropicália e Caetano Veloso são referências. "O timbre do Caetano é superbacana/ Não pense que estou copiando porque eu sou banana/ Peguei emprestado pras artes da semana", canta. E, de novo, o acúmulo de referências: Aldous Huxley, Woody Allen, Allen Ginsberg, William Blake etc.
"Base Primitiva Revisitada" é jazz eletrônico retrô, mas que parece Stereolab, banda dos anos 90 que vivia de reciclagens; balada sessentista estilo Mutantes, "Little Raver" fala sobre uma garota "de plástico"; a excelente e roqueira "Menina Super Brasil" faz a ponte entre o pop e o experimental, em crônica sobre o sexo feminino. Já "Beatle George" é Júpiter imitando os ares ocidentais do ídolo do título; "Mademoiselle Marchand" responde por uma paixão por ícones franceses; "Casa de Mamãe" é apenas chata ao abusar do estereótipo "maluco beleza".
A palavra "fruteira" no título resume bem o conceito do álbum. Tanto na definição de "árvore frutífera" quanto na de "recipiente destinado a conter frutas", o disco explicita aquela que é a melhor característica de Júpiter: a incorporação de diferentes "eus". É como se cada faixa fosse um ingrediente de uma caprichada salada.


UMA TARDE NA FRUTEIRA
Artista:
Júpiter Maçã
Lançamento: Monstro Discos/Marquise 51 Records; disponível para download gratuito em www.myspace. com/jupiterapple
Quanto: R$ 20 (CD)
Avaliação: ótimo


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