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LIVROS
Crítica
Cuidadosa, tese analisa base teórica de Mira Schendel
Estudo apresentado na Alemanha sobre artista que se radicou em SP vira livro
NELSON AGUILAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
A monografia consagrada
a Mira Schendel por
Geraldo Souza Dias,
agora lançada em livro no Brasil, atesta um novo recurso à
história da arte brasileira, o dos
que levam seu tema a universidades do exterior, no caso, a
Universität der Künste Berlin,
e trabalham com a língua de
origem do artista focalizado.
Já sabia do ímpeto e fervor
com que Dias se debruçava sobre o assunto a ponto de indicar
seu nome ao diretor da Galeria
Nacional do Jeu de Paume, em
Paris, para apresentar a exposição de Mira em 2001 no espaço
outrora atribuído aos impressionistas.
Curiosamente, trata-se do
segundo arquiteto a contribuir
à irradiação da obra. O primeiro foi Paulo Malta Campos, realizador de mostra na 22ª Bienal
de São Paulo, em 1994, ponto
de partida para a consagração
definitiva de Mira no circuito
internacional.
Dias iguala a dedicação de
um monge peregrino, compulsando o Arquivo Municipal de
Zurique, em busca de dados a
respeito dos genitores de Mira,
colhendo depoimentos de pessoas hoje desaparecidas ou indisponíveis, esmiuçando diários, coleções de cartas, catálogos de mostra, graças ao apoio e
desprendimento da filha da artista, Ada Clara Schendel.
Por ocasião de aniversários
de museus e instituições paulistas, revisões de suas histórias
são propostas. Na entrevista
feita com o saudoso dono da Livraria Duas Cidades, José Petronilho de Santa Cruz, Geraldo reporta um gesto gratuito:
Mira contou com o auxílio financeiro de Ciccillo Matarazzo, fundador da Bienal de São
Paulo, durante um ano, facilitando sua instalação em São
Paulo, em 1953.
A divulgação da correspondência traz observações saborosas sobre a sociedade da época: "O que vejo por aqui não é
grande coisa. Muitas pretensões e esnobismo, quando sabemos que arte é um serviço
humilde e que a vida deveria ser
vivida com imensa humildade".
Ou: "Nunca pensava que os
pobres pintores e escultores
devessem ser rodeados com
tanta elegância".
O autor alude ao convívio dos
imigrantes intelectuais na cidade. A descrição das relações entre Vilém Flusser e Mira, obscuros interlocutores se avaliados à luz da celebridade que os
aureola hoje em dia, sob momentos de tensão e trégua,
mostra o quão falta para efetuar a visão correta da vida cultural paulistana, sobretudo de
grupos alheios à universidade
como o reunido em torno do filósofo Vicente Ferreira da Silva
e da revista "Diálogo".
Ambos de ascendência tcheco-judaica, trocavam pareceres
sobre a filosofia contemporânea. De um lado, a pintora, com
seu universo espiritual complexo, cuja família se orgulhava de
cultivar a amizade de Giovanni
Battista Montini, futuro papa
Paulo 6º; de outro, o pensador
que se dizia primo de Kafka.
Um dos pontos relevantes da
monografia está no cuidado
com que aborda as referências
teóricas de Mira, autores relativamente desconhecidos no
universo neolatino com quem a
artista entrou em contato.
O filósofo alemão radicado
na Suíça Jean Gebser considera
a consciência humana como
produto de mutações que vão
desde a indiferenciação espacial até a efetuação da transparência total.
A obra da artista se conjuga a
essa poética através do emprego de materiais diáfanos, como
o papel de arroz, o acrílico, culminando no ambiente "Ondas
Paradas de Probabilidade",
composto por fios de náilon,
exibido na 10ª Bienal de São
Paulo (1969) e reconstituído
em sua 22ª edição.
Dias investiga relações com o
fenomenólogo alemão Hermann Schmitz e com o psiquiatra húngaro Leopold Szondi,
esta última não desenvolvida
no texto da presente edição.
NELSON AGUILAR é professor de história da arte da Unicamp e foi curador-geral da 22ª (1994)
e da 23ª (1996) Bienal de São Paulo
MIRA SCHENDEL - DO
ESPIRITUAL À CORPOREIDADE
Autor: Geraldo Souza Dias
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 170 (352 págs.)
Avaliação: bom
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