São Paulo, sábado, 09 de maio de 2009

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LIVROS

Crítica

Cuidadosa, tese analisa base teórica de Mira Schendel

Estudo apresentado na Alemanha sobre artista que se radicou em SP vira livro

NELSON AGUILAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

A monografia consagrada a Mira Schendel por Geraldo Souza Dias, agora lançada em livro no Brasil, atesta um novo recurso à história da arte brasileira, o dos que levam seu tema a universidades do exterior, no caso, a Universität der Künste Berlin, e trabalham com a língua de origem do artista focalizado.
Já sabia do ímpeto e fervor com que Dias se debruçava sobre o assunto a ponto de indicar seu nome ao diretor da Galeria Nacional do Jeu de Paume, em Paris, para apresentar a exposição de Mira em 2001 no espaço outrora atribuído aos impressionistas.
Curiosamente, trata-se do segundo arquiteto a contribuir à irradiação da obra. O primeiro foi Paulo Malta Campos, realizador de mostra na 22ª Bienal de São Paulo, em 1994, ponto de partida para a consagração definitiva de Mira no circuito internacional.
Dias iguala a dedicação de um monge peregrino, compulsando o Arquivo Municipal de Zurique, em busca de dados a respeito dos genitores de Mira, colhendo depoimentos de pessoas hoje desaparecidas ou indisponíveis, esmiuçando diários, coleções de cartas, catálogos de mostra, graças ao apoio e desprendimento da filha da artista, Ada Clara Schendel.
Por ocasião de aniversários de museus e instituições paulistas, revisões de suas histórias são propostas. Na entrevista feita com o saudoso dono da Livraria Duas Cidades, José Petronilho de Santa Cruz, Geraldo reporta um gesto gratuito: Mira contou com o auxílio financeiro de Ciccillo Matarazzo, fundador da Bienal de São Paulo, durante um ano, facilitando sua instalação em São Paulo, em 1953.
A divulgação da correspondência traz observações saborosas sobre a sociedade da época: "O que vejo por aqui não é grande coisa. Muitas pretensões e esnobismo, quando sabemos que arte é um serviço humilde e que a vida deveria ser vivida com imensa humildade". Ou: "Nunca pensava que os pobres pintores e escultores devessem ser rodeados com tanta elegância".
O autor alude ao convívio dos imigrantes intelectuais na cidade. A descrição das relações entre Vilém Flusser e Mira, obscuros interlocutores se avaliados à luz da celebridade que os aureola hoje em dia, sob momentos de tensão e trégua, mostra o quão falta para efetuar a visão correta da vida cultural paulistana, sobretudo de grupos alheios à universidade como o reunido em torno do filósofo Vicente Ferreira da Silva e da revista "Diálogo".
Ambos de ascendência tcheco-judaica, trocavam pareceres sobre a filosofia contemporânea. De um lado, a pintora, com seu universo espiritual complexo, cuja família se orgulhava de cultivar a amizade de Giovanni Battista Montini, futuro papa Paulo 6º; de outro, o pensador que se dizia primo de Kafka.
Um dos pontos relevantes da monografia está no cuidado com que aborda as referências teóricas de Mira, autores relativamente desconhecidos no universo neolatino com quem a artista entrou em contato.
O filósofo alemão radicado na Suíça Jean Gebser considera a consciência humana como produto de mutações que vão desde a indiferenciação espacial até a efetuação da transparência total. A obra da artista se conjuga a essa poética através do emprego de materiais diáfanos, como o papel de arroz, o acrílico, culminando no ambiente "Ondas Paradas de Probabilidade", composto por fios de náilon, exibido na 10ª Bienal de São Paulo (1969) e reconstituído em sua 22ª edição.
Dias investiga relações com o fenomenólogo alemão Hermann Schmitz e com o psiquiatra húngaro Leopold Szondi, esta última não desenvolvida no texto da presente edição.

NELSON AGUILAR é professor de história da arte da Unicamp e foi curador-geral da 22ª (1994) e da 23ª (1996) Bienal de São Paulo


MIRA SCHENDEL - DO ESPIRITUAL À CORPOREIDADE

Autor: Geraldo Souza Dias
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 170 (352 págs.)
Avaliação: bom




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