São Paulo, sábado, 09 de maio de 2009

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LIVROS

Crítica

Escritor mexicano faz ataque à banalidade dos casamentos

Em "Vida Conjugal", Sergio Pitol atualiza "Madame Bovary" e usa metalinguagem

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Mais de um século pós-Madame Bovary, mulheres traídas e/ ou adúlteras já não têm muito o que descobrir sobre o vazio da vida social. Elas próprias já podem calmamente ser parte constituinte da hipocrisia mundana. Está tudo arrumado, a hipocrisia tranquilamente engavetada.
Em "Vida Conjugal", de Sergio Pitol, ganhador do Prêmio Cervantes, é assim. Jacqueline Cascorro, a esposa indignada, lê Balzac, frequenta saraus na casa de sua amiga "inteligente", mas já não extrai disso conhecimento algum. Sua repulsa pelo comportamento do marido é mais estética do que ética.
O problema é que "não pega bem", e uma esposa traída deve se sentir humilhada e retribuir na mesma moeda. Ainda como paródia de uma profundidade perdida, em "Vida Conjugal", o que faz o mal surgir em Jacqueline é uma banalidade: o estouro de uma champanhe e uma pata quebrada de caranguejo. Mas, à diferença da madeleine de Proust, que faz o personagem lembrar involuntariamente de sua infância inteira, o que a banalidade suscita em Jacqueline são "ideias muito más".
Más, mas sem a grandeza da maldade. Más no sentido mais mesquinho de mau. Jacqueline decide livrar-se do marido. E, é claro, pois estamos num mundo irônico, suas tentativas fracassam. Não porque haja alguma culpabilidade, mas simplesmente porque ela não está a altura de um assassinato.
Trata-se de uma personagem tão carregada de ridículo, que o que parece sério, no início, revela-se irônico em todo o breve romance. O marido é um empresário que está construindo um resort em Cuernavaca; a secretária conta à esposa todas as façanhas sexuais do patrão.

Metalinguagem
Balzac e Proust revisitados, no retrato da vida burguesa e na lembrança involuntária, mas rebaixados ao tamanho de uma nova potência do liquidificador. Não é à toa que o autor se vale de metalinguagem: "Mas é preciso voltar àquele pensamento (...) ao qual já se fez referência no capítulo anterior".
A metalinguagem, desde sempre, é um índice de que o autor está no comando e não a entregou para o leitor num efeito ilusionista. Ele, e nós, sabemos tratar-se de uma paródia, sabemos ser leitores críticos e somos convidados a rir de Jacqueline e, se possível, a rirmos de nós também, porque todos têm uma pequena Jacqueline dentro de si. O relacionamento entre ela e o marido vira uma brincadeira de gato e rato, em que o gato tenta "abater" o rato que, para variar, é mais esperto.
O sexo, como também não podia deixar de ser, entra na narrativa como compensação temporária das carências do marido, e a própria atividade sexual de Jacqueline, além de seu desejo de matá-lo, apimentam as noites entre os cônjuges.
Pitol nomeia seu romance "Vida Conjugal", o que nos permite concluir que, assim, ele se refere não a uma só vida conjugal, mas a todas elas, pelo menos no universo burguês de que trata. O romance é irônico na medida, metalinguístico na medida, mas a generalização, nesse caso, é recurso fácil.
Feliz ou infelizmente, os buracos dos casamentos ainda ficam espalhados por vários lugares, todos mais embaixo.


VIDA CONJUGAL

Autor: Sergio Pitol
Tradução: Bernardo Ajzenberg
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (112 págs.)
Avaliação: bom




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