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LIVROS
Crítica
Escritor mexicano faz ataque à banalidade dos casamentos
Em "Vida Conjugal", Sergio Pitol atualiza "Madame Bovary" e usa metalinguagem
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Mais de um século pós-Madame Bovary,
mulheres traídas e/
ou adúlteras já não têm muito o
que descobrir sobre o vazio da
vida social. Elas próprias já podem calmamente ser parte
constituinte da hipocrisia
mundana. Está tudo arrumado,
a hipocrisia tranquilamente
engavetada.
Em "Vida Conjugal", de Sergio Pitol, ganhador do Prêmio
Cervantes, é assim. Jacqueline
Cascorro, a esposa indignada,
lê Balzac, frequenta saraus na
casa de sua amiga "inteligente",
mas já não extrai disso conhecimento algum. Sua repulsa pelo
comportamento do marido é
mais estética do que ética.
O problema é que "não pega
bem", e uma esposa traída deve
se sentir humilhada e retribuir
na mesma moeda. Ainda como
paródia de uma profundidade
perdida, em "Vida Conjugal", o
que faz o mal surgir em Jacqueline é uma banalidade: o estouro de uma champanhe e uma
pata quebrada de caranguejo.
Mas, à diferença da madeleine de Proust, que faz o personagem lembrar involuntariamente de sua infância inteira, o que
a banalidade suscita em Jacqueline são "ideias muito más".
Más, mas sem a grandeza da
maldade. Más no sentido mais
mesquinho de mau. Jacqueline
decide livrar-se do marido. E, é
claro, pois estamos num mundo irônico, suas tentativas fracassam. Não porque haja alguma culpabilidade, mas simplesmente porque ela não está a altura de um assassinato.
Trata-se de uma personagem
tão carregada de ridículo, que o
que parece sério, no início, revela-se irônico em todo o breve
romance. O marido é um empresário que está construindo
um resort em Cuernavaca; a secretária conta à esposa todas as
façanhas sexuais do patrão.
Metalinguagem
Balzac e Proust revisitados,
no retrato da vida burguesa e
na lembrança involuntária,
mas rebaixados ao tamanho de
uma nova potência do liquidificador. Não é à toa que o autor se
vale de metalinguagem: "Mas é preciso voltar àquele pensamento (...) ao qual já se fez referência no capítulo anterior".
A metalinguagem, desde
sempre, é um índice de que o
autor está no comando e não a
entregou para o leitor num
efeito ilusionista. Ele, e nós, sabemos tratar-se de uma paródia, sabemos ser leitores críticos e somos convidados a rir de
Jacqueline e, se possível, a rirmos de nós também, porque todos têm uma pequena Jacqueline dentro de si.
O relacionamento entre ela e
o marido vira uma brincadeira
de gato e rato, em que o gato
tenta "abater" o rato que, para
variar, é mais esperto.
O sexo, como também não
podia deixar de ser, entra na
narrativa como compensação
temporária das carências do
marido, e a própria atividade
sexual de Jacqueline, além de
seu desejo de matá-lo, apimentam as noites entre os cônjuges.
Pitol nomeia seu romance
"Vida Conjugal", o que nos permite concluir que, assim, ele se
refere não a uma só vida conjugal, mas a todas elas, pelo menos no universo burguês de que
trata. O romance é irônico na
medida, metalinguístico na
medida, mas a generalização,
nesse caso, é recurso fácil.
Feliz ou infelizmente, os buracos dos casamentos ainda ficam espalhados por vários lugares, todos mais embaixo.
VIDA CONJUGAL
Autor: Sergio Pitol
Tradução: Bernardo Ajzenberg
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (112 págs.)
Avaliação: bom
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