São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMIDA

Confeitaria Di Cunto faz 70 anos e reflete os sabores e aromas do tradicional bairro paulistano

Aromas da Mooca

CRISTIANE LEONEL
DA REPORTAGEM LOCAL

Mooca, anos 30. Chaminés das fábricas emanam uma fumaça constante. Mooca, 2005. O aroma das cantinas, pizzarias e docerias está no ar. O tradicional bairro, um dos símbolos da industrialização de São Paulo, hoje se firma no ramo de serviços e tem na gastronomia um de seus destaques.
Num bairro ocupado predominantemente por imigrantes -principalmente descendentes de italianos e espanhóis-, a comida tem valor especial para os moradores, que, em geral, prezam a tradição e o ambiente familiar na hora de escolher um restaurante. Talvez seja este um dos motivos de a Mooca abrigar estabelecimentos gastronômicos tão duradouros, como é o caso da confeitaria e doceria Di Cunto, que completou recentemente 70 anos.
Fundada por seis irmãos italianos, a Di Cunto começou como uma pequena padaria chamada Popular. A panificadora foi construída por Donato Di Cunto, pai dos fundadores, que havia morado no Brasil tempos antes. Donato saiu da Itália em 1878, com 17 anos, para tentar a sorte em Montevidéu, no Uruguai. Acabou, contudo, caindo no porto de Santos, uma vez que não sabia ler.
Conformou-se com o acaso e veio para São Paulo, onde aprendeu o ofício de padeiro e, em 1890, abriu uma panificadora na rua Taubaté, atual Borges de Figueiredo, no terreno onde hoje fica o estacionamento da Di Cunto. Em 1900, voltou à Itália com a pretensão de buscar a mãe idosa e a irmã paraplégica, mas foi impedido de retornar ao Brasil porque só se permitia a entrada de pessoas "vigorosas" no país. Permaneceu na Itália até o dia de sua morte, 32 anos depois, mas nunca perdeu a vontade de retornar ao Brasil.
Sua frustração foi recompensada por seis de seus dez filhos que vieram para o Brasil, reinaugurando, em 1935, a padaria Popular, que, na boca do povo, ganhou o nome de Di Cunto.
Na Di Cunto hoje não se vende mais o pãozinho francês, mas há cerca de mil produtos de fabricação própria. Apesar das várias transformações pelas quais a confeitaria passou durante as sete décadas, a tradição ainda é valorizada, do atendimento (os donos costumam ficar no balcão cumprimentando e servindo os clientes) à produção (um exemplo é o panetone, produzido desde 1939).
Neto de um dos fundadores, Marco Di Cunto, 25, conta que, apesar de ter uma clientela fiel, a confeitaria não passa por um de seus melhores momentos. "A concorrência aumentou muito nos últimos anos."

Do mar à Mooca
A Cantina do Marinheiro também é exemplo de longevidade na Mooca. Fundado em 1942 por marujos italianos, o restaurante começou vendendo massas, mas, ao ser comprado por imigrantes espanhóis, teve seu menu completamente modificado. Hoje tem como ponto forte os frutos do mar, como a Caldeirada do Marinheiro (namorado ensopado ao molho de tomate, lula, mariscos, camarões, vongoles e polvos; R$ 49,70 para duas pessoas), e não mais os típicos pratos italianos.
O ambiente é bem simples, um pouco diferente do que se vê na sua filial, em Moema, fundada em 1983, de estilo mais moderno. Eduardo Alonso, gerente da casa há 22 anos, fala da diferença entre o restaurante da Mooca e a filial: "Aqui [na Mooca] o salão é bem maior, com muito mais mesas".
A alguns quarteirões dali, encontra-se outro tradicional ponto da Mooca: o Don Carlini. O restaurante, que abriu em 1985 para servir almoço aos funcionários de um banco, hoje fabrica, vende e serve massas diariamente. "Muitas receitas foram trazidas pela minha sogra, que veio do norte da Itália", explica Maria do Carmo, umas das proprietárias.
Mais para a região central da Mooca, está a pizzaria São Pedro, na rua Javari, a mesma do estádio do Juventus, o tradicional time de futebol do bairro. Aberto em 1967 por um casal de ex-funcionários do Cotonifício Crespi (tecelagem que faliu em 1963), o local começou como uma lanchonete e, uma vez por semana, servia pizzas. Anos depois, assumiu-se como pizzaria, passou por reformas, mas não perdeu o ar clássico. Uma das pizzas mais pedidas é a do Chef, com presunto e queijos gorgonzola, mozarela e parmesão (R$ 39).

Contrariando a tradição
Nos últimos anos, a Mooca assiste ao surgimento de novos restaurantes. É o caso da pizzaria Bendita Maria, inaugurada há cerca de dois meses e que vende pizza por metro. Com cara de restaurante descolado da Vila Madalena, serve algumas pizzas exóticas, como a Nordestina, com carne-seca desfiada, pimentões, cebola e mozarela (R$ 29 a de 1/2 metro estreito, que equivale a uma redonda de oito pedaços).
A casa de carnes argentinas Las Guardas também tem pouco a ver com os tradicionais restaurantes mooquenses. O restaurante -com cara de bistrô- foi inaugurado em janeiro deste ano e tem como destaque a variedade de vinhos, com mais de 70 rótulos na carta.
O bairro da Mooca, enfim, é como uma boa mamma italiana, que acolhe dos mais comportados aos mais ousados filhos, ou melhor, restaurantes.


Texto Anterior: O Terço comemora 30 anos de disco em SP
Próximo Texto: Palavra de Mooquense
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.