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COMIDA
Confeitaria Di Cunto faz 70 anos e reflete os sabores e aromas do tradicional bairro paulistano
Aromas da Mooca
CRISTIANE LEONEL
DA REPORTAGEM LOCAL
Mooca, anos 30. Chaminés das
fábricas emanam uma fumaça
constante. Mooca, 2005. O aroma
das cantinas, pizzarias e docerias
está no ar. O tradicional bairro,
um dos símbolos da industrialização de São Paulo, hoje se firma no
ramo de serviços e tem na gastronomia um de seus destaques.
Num bairro ocupado predominantemente por imigrantes
-principalmente descendentes
de italianos e espanhóis-, a comida tem valor especial para os
moradores, que, em geral, prezam
a tradição e o ambiente familiar
na hora de escolher um restaurante. Talvez seja este um dos motivos de a Mooca abrigar estabelecimentos gastronômicos tão duradouros, como é o caso da confeitaria e doceria Di Cunto, que
completou recentemente 70 anos.
Fundada por seis irmãos italianos, a Di Cunto começou como
uma pequena padaria chamada
Popular. A panificadora foi construída por Donato Di Cunto, pai
dos fundadores, que havia morado no Brasil tempos antes. Donato saiu da Itália em 1878, com 17
anos, para tentar a sorte em Montevidéu, no Uruguai. Acabou,
contudo, caindo no porto de Santos, uma vez que não sabia ler.
Conformou-se com o acaso e
veio para São Paulo, onde aprendeu o ofício de padeiro e, em 1890,
abriu uma panificadora na rua
Taubaté, atual Borges de Figueiredo, no terreno onde hoje fica o estacionamento da Di Cunto. Em
1900, voltou à Itália com a pretensão de buscar a mãe idosa e a irmã
paraplégica, mas foi impedido de
retornar ao Brasil porque só se
permitia a entrada de pessoas "vigorosas" no país. Permaneceu na
Itália até o dia de sua morte, 32
anos depois, mas nunca perdeu a
vontade de retornar ao Brasil.
Sua frustração foi recompensada por seis de seus dez filhos que
vieram para o Brasil, reinaugurando, em 1935, a padaria Popular, que, na boca do povo, ganhou
o nome de Di Cunto.
Na Di Cunto hoje não se vende
mais o pãozinho francês, mas há
cerca de mil produtos de fabricação própria. Apesar das várias
transformações pelas quais a confeitaria passou durante as sete décadas, a tradição ainda é valorizada, do atendimento (os donos
costumam ficar no balcão cumprimentando e servindo os clientes) à produção (um exemplo é o
panetone, produzido desde 1939).
Neto de um dos fundadores,
Marco Di Cunto, 25, conta que,
apesar de ter uma clientela fiel, a
confeitaria não passa por um de
seus melhores momentos. "A
concorrência aumentou muito
nos últimos anos."
Do mar à Mooca
A Cantina do Marinheiro também é exemplo de longevidade na
Mooca. Fundado em 1942 por
marujos italianos, o restaurante
começou vendendo massas, mas,
ao ser comprado por imigrantes
espanhóis, teve seu menu completamente modificado. Hoje tem
como ponto forte os frutos do
mar, como a Caldeirada do Marinheiro (namorado ensopado ao
molho de tomate, lula, mariscos,
camarões, vongoles e polvos; R$
49,70 para duas pessoas), e não
mais os típicos pratos italianos.
O ambiente é bem simples, um
pouco diferente do que se vê na
sua filial, em Moema, fundada em
1983, de estilo mais moderno.
Eduardo Alonso, gerente da casa
há 22 anos, fala da diferença entre
o restaurante da Mooca e a filial:
"Aqui [na Mooca] o salão é bem
maior, com muito mais mesas".
A alguns quarteirões dali, encontra-se outro tradicional ponto
da Mooca: o Don Carlini. O restaurante, que abriu em 1985 para
servir almoço aos funcionários de
um banco, hoje fabrica, vende e
serve massas diariamente. "Muitas receitas foram trazidas pela
minha sogra, que veio do norte da
Itália", explica Maria do Carmo,
umas das proprietárias.
Mais para a região central da
Mooca, está a pizzaria São Pedro,
na rua Javari, a mesma do estádio
do Juventus, o tradicional time de
futebol do bairro. Aberto em 1967
por um casal de ex-funcionários
do Cotonifício Crespi (tecelagem
que faliu em 1963), o local começou como uma lanchonete e, uma
vez por semana, servia pizzas.
Anos depois, assumiu-se como
pizzaria, passou por reformas,
mas não perdeu o ar clássico.
Uma das pizzas mais pedidas é a
do Chef, com presunto e queijos
gorgonzola, mozarela e parmesão
(R$ 39).
Contrariando a tradição
Nos últimos anos, a Mooca assiste ao surgimento de novos restaurantes. É o caso da pizzaria
Bendita Maria, inaugurada há
cerca de dois meses e que vende
pizza por metro. Com cara de restaurante descolado da Vila Madalena, serve algumas pizzas exóticas, como a Nordestina, com carne-seca desfiada, pimentões, cebola e mozarela (R$ 29 a de 1/2
metro estreito, que equivale a
uma redonda de oito pedaços).
A casa de carnes argentinas Las
Guardas também tem pouco a ver
com os tradicionais restaurantes
mooquenses. O restaurante
-com cara de bistrô- foi inaugurado em janeiro deste ano e
tem como destaque a variedade
de vinhos, com mais de 70 rótulos
na carta.
O bairro da Mooca, enfim, é como uma boa mamma italiana,
que acolhe dos mais comportados
aos mais ousados filhos, ou melhor, restaurantes.
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