São Paulo, sábado, 09 de junho de 2007

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Veneza reflete os "tempos terríveis"

Bienal deste ano, a maior já realizada, tem participação de 500 artistas, 76 representações nacionais e caráter político

Trabalhos expostos buscam colocar "lupa" na realidade; africano Malick Sidibé recebe Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

A imagem de um close de um estilete tirando a cutícula de uma unha, da artista austríaca Valie Export, por tornar violenta uma situação banal, é um dos trabalhos que melhor sintetiza a proposta do curador Robert Storr para a 52ª Bienal de Veneza: a arte é como uma lupa, que nos faz ver o mundo de forma diferente. A bienal abre amanhã para o público.
"Vivemos em tempos terríveis, e essa mostra reflete essa questão, pois a arte é hoje, como sempre foi, uma das formas pelas quais nos fazemos conscientes da totalidade do ser", disse Storr, anteontem, em entrevista coletiva, na cidade de Veneza.
O curador teve três anos para organizar a exposição, pois foi escolhido ao mesmo tempo que Rosa Martínez e Maria de Corral, curadoras da edição de 2005. Com isso, o crítico norte-americano e ex-curador do Museu de Arte Moderna de Nova York organizou sozinho a mostra "Pense com os Sentidos, Sinta com a Mente", que reúne 56 artistas no Arsenale, uma antiga fábrica de cordas da cidade, e outros 44 no Pavilhão Italiano, dentro dos Giardini, a tradicional sede da mostra.
"Precisamos olhar para a arte com todos os sentidos, sem privilegiar um ou outro, e, para tanto, a experiência é fundamental", afirmou o curador. "O que busco mostrar aqui é que mesmo na obra de um artista considerado conceitual, como o Bruce Naumann, existe a "fisicalidade" sensível do trabalho."
De certa forma, a atual exposição lembra bastante o modelo adotado na edição das curadoras espanholas.

Política
Há dois anos, Corral ocupou o Pavilhão Italiano com nomes referenciais da arte contemporânea, enquanto, agora, Storr reúne, no mesmo local, um segmento mais institucionalizado das artes, com artistas do porte de Gerhard Richter e Sol LeWitt. E, assim como Martinez levou para o Arsenale trabalhos mais experimentais, o mesmo foi feito pelo atual curador.
Por isso, o Arsenale contém os trabalhos com caráter mas político. "De fato eu creio que essa mostra é política, mas não no sentido panfletário, e sim no de como a cultura se vê ameaçada e, ao mesmo tempo, responde a isso", disse o curador.
É no Arsenale que se encontra o vídeo de Export, além de vários outros que colocam uma lupa na realidade.
Melik Ohanian, por exemplo, em "September 11, 1973", a partir da conhecida data do choque com as Torres Gêmeas, em Nova York, reconta o golpe do general Pinochet, contra o governo de Salvador Allende, no Chile, ocorrido na mesma data.
O 11 de Setembro também está presente na maquete de Charles Gaines "Airplanecrachclock", uma maquete com um pequeno avião que sobrevoa Nova York e, ao entrar no solo, se transforma em avião de guerra.
Sobre violência também é a obra de Emily Prince, que desenha pequenos retratos de 3.556 soldados mortos no Iraque e no Afeganistão, pesquisados em arquivos pela artista. Coladas na parede, de longe os retratos parecem apenas uma mancha abstrata na parede.
E é no Arsenale que estão as fotos do africano Malick Sidibé, retratos tendo sempre como fundo panos de padrões contrastantes, da série "África contra a Aids".
Sidibé recebe o Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra, amanhã, dia em que serão anunciadas as demais premiações, como melhor pavilhão e artista.
Além do prêmio a Sidibé, a África contém um pavilhão próprio, que contou com um time de curadores, entre eles o próprio Storr.
"Sou americano, e a África tem grande presença aqui, porque ela é a maioria nos EUA", disse o curador.
Entre os selecionados, estão artistas com ascendência africana, como Jean-Michel Basquiat (1960-1988), ou mesmo europeus que vivem ou viveram lá, como o espanhol Miquel Barceló.

Dimensão
A 52ª edição da Bienal de Veneza, a mostra mais tradicional de arte existente, está sendo anunciada como a mais ampla já realizada.
No total, cerca de 500 artistas participam do evento, somadas as representações nacionais, que contam com 76 países. Por onde se anda, ou se navega, há marcas da bienal, pois 34 eventos paralelos também foram organizados em Veneza, com artistas importantes como Matthew Barney ou Damien Hirst.


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