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Veneza reflete os "tempos terríveis"
Bienal deste ano, a maior já realizada, tem participação de 500 artistas, 76 representações nacionais e caráter político
Trabalhos expostos buscam colocar "lupa" na realidade; africano Malick Sidibé recebe Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
A imagem de um close de um
estilete tirando a cutícula de
uma unha, da artista austríaca
Valie Export, por tornar violenta uma situação banal, é um dos
trabalhos que melhor sintetiza
a proposta do curador Robert
Storr para a 52ª Bienal de Veneza: a arte é como uma lupa,
que nos faz ver o mundo de forma diferente. A bienal abre
amanhã para o público.
"Vivemos em tempos terríveis, e essa mostra reflete essa
questão, pois a arte é hoje, como sempre foi, uma das formas
pelas quais nos fazemos conscientes da totalidade do ser",
disse Storr, anteontem, em entrevista coletiva, na cidade de
Veneza.
O curador teve três anos para
organizar a exposição, pois foi
escolhido ao mesmo tempo que
Rosa Martínez e Maria de Corral, curadoras da edição de
2005. Com isso, o crítico norte-americano e ex-curador do
Museu de Arte Moderna de Nova York organizou sozinho a
mostra "Pense com os Sentidos, Sinta com a Mente", que
reúne 56 artistas no Arsenale,
uma antiga fábrica de cordas da
cidade, e outros 44 no Pavilhão
Italiano, dentro dos Giardini, a
tradicional sede da mostra.
"Precisamos olhar para a arte
com todos os sentidos, sem privilegiar um ou outro, e, para
tanto, a experiência é fundamental", afirmou o curador. "O
que busco mostrar aqui é que
mesmo na obra de um artista
considerado conceitual, como
o Bruce Naumann, existe a "fisicalidade" sensível do trabalho."
De certa forma, a atual exposição lembra bastante o modelo
adotado na edição das curadoras espanholas.
Política
Há dois anos, Corral ocupou
o Pavilhão Italiano com nomes
referenciais da arte contemporânea, enquanto, agora, Storr
reúne, no mesmo local, um segmento mais institucionalizado
das artes, com artistas do porte
de Gerhard Richter e Sol LeWitt. E, assim como Martinez
levou para o Arsenale trabalhos
mais experimentais, o mesmo
foi feito pelo atual curador.
Por isso, o Arsenale contém
os trabalhos com caráter mas
político. "De fato eu creio que
essa mostra é política, mas não
no sentido panfletário, e sim no
de como a cultura se vê ameaçada e, ao mesmo tempo, responde a isso", disse o curador.
É no Arsenale que se encontra o vídeo de Export, além de
vários outros que colocam uma
lupa na realidade.
Melik Ohanian, por exemplo,
em "September 11, 1973", a partir da conhecida data do choque
com as Torres Gêmeas, em Nova York, reconta o golpe do general Pinochet, contra o governo de Salvador Allende, no Chile, ocorrido na mesma data.
O 11 de Setembro também está presente na maquete de
Charles Gaines "Airplanecrachclock", uma maquete com
um pequeno avião que sobrevoa Nova York e, ao entrar no
solo, se transforma em avião de
guerra.
Sobre violência também é a
obra de Emily Prince, que desenha pequenos retratos de 3.556
soldados mortos no Iraque e no
Afeganistão, pesquisados em
arquivos pela artista. Coladas
na parede, de longe os retratos
parecem apenas uma mancha
abstrata na parede.
E é no Arsenale que estão as
fotos do africano Malick Sidibé,
retratos tendo sempre como
fundo panos de padrões contrastantes, da série "África contra a Aids".
Sidibé recebe o Leão de Ouro
pelo conjunto de sua obra,
amanhã, dia em que serão
anunciadas as demais premiações, como melhor pavilhão e
artista.
Além do prêmio a Sidibé, a
África contém um pavilhão
próprio, que contou com um time de curadores, entre eles o
próprio Storr.
"Sou americano, e a África
tem grande presença aqui, porque ela é a maioria nos EUA",
disse o curador.
Entre os selecionados, estão
artistas com ascendência africana, como Jean-Michel Basquiat (1960-1988), ou mesmo
europeus que vivem ou viveram lá, como o espanhol Miquel Barceló.
Dimensão
A 52ª edição da Bienal de Veneza, a mostra mais tradicional
de arte existente, está sendo
anunciada como a mais ampla
já realizada.
No total, cerca de 500 artistas participam do evento, somadas as representações nacionais, que contam com 76
países. Por onde se anda, ou se
navega, há marcas da bienal,
pois 34 eventos paralelos também foram organizados em Veneza, com artistas importantes
como Matthew Barney ou Damien Hirst.
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