|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Diretor utiliza Shakespeare em 'Paixão Perdida', filme com Antonio Fagundes e, provavelmente, Vera Fischer
Khouri vislumbra 'sono da morte' em 26º filme
DENISE MOTA
da Redação
O mundo imaginário do cineasta
Walter Hugo Khouri ganhou mais
uma crise existencial. E técnica.
Técnica porque a atriz Vera Fischer, convidada para protagonizar
o novo filme de Khouri, "Paixão
Perdida", adiou o início das filmagens de suas cenas por conta da
doença da mãe (que sofre do Mal
de Alzheimer) e de uma pneumonia, da qual está se recuperando.
Mas a produção do longa garante
a participação da atriz, que começa a filmar na segunda semana de
julho.
Existencial porque, pelos próximos dois meses, o diretor vai se debruçar sobre roteiro que escreveu
baseado em trecho de um monólogo de Hamlet, aquele em que o angustiado personagem shakespeariano questiona "que sonhos poderão vir do sono da morte".
Em "Paixão", orçado em R$ 1,4
milhão, o diretor de 67 anos retoma a trajetória de seu sempre-presente alter ego Marcelo Rondi,
desta vez interpretado por Antonio Fagundes.
O filme narra a história do filho
de Marcelo, Marcelinho (Fausto
Carmona), que vivenciará o sono
de que tratava Shakespeare.
Perturbado psicologicamente
após a morte da mãe (Vera Fischer), o garoto é tratado por uma
enfermeira (Mylla Christie), que se
apaixonará por Marcelo. Está deflagrado o conflito.
Após ser tachado de alienado,
nos anos 60 -por não se envolver
no cinema novo-, e pornô-chique, nas décadas seguintes, Khouri coloca, novamente, tudo o que
caracterizou sua carreira: belas
mulheres, relações mal resolvidas,
vazio espiritual, tensão.
"Não consigo fazer outra coisa",
diz o cineasta, que já se prepara para engatar mais quatro projetos.
Após "Paixão Perdida", Khouri
planeja lançar "As Feras", finalizado em 1995 (leia texto abaixo), e
filmar os longas-metragens "Il
Fuoco", "Febre" e "La Flame" (A
Chama), co-produção com a França para a qual pretende convidar
atrizes como Juliette Binoche ou
Irène Jacob.
"Não é pretensão", avisa -já
com o pé atrás- quem se sabe um
caso à parte na cinematografia nacional. De São Paulo, o diretor
concedeu à Folha a seguinte entrevista.
Folha- Do que trata o filme?
Walter Hugo Khouri - É um filme zen, sobre sentimentos. É a história de um garoto diante do pai,
Marcelo, diante da mãe, que morreu, e diante do mundo.
Não sei inventar outra coisa. Não
consigo fazer filmes sobre um índio ou um astronauta.
Folha - Marcelo Rondi está em diversos de seus filmes. Qual o dilema do personagem desta vez?
Khouri - Marcelo já apareceu
em uns 15 filmes meus. Ele corresponde à minha vida, é uma projeção. É inquieto, indeciso, ambicioso. Agora, ele é pai de um garoto
problemático. Em "Il Fuoco", um
de meus próximos filmes, ele tem a
mulher que sofre um atentado.
Mas em "Paixão Perdida", o
personagem principal é o Marcelinho, o filho dele, que não quer viver porque a mãe desapareceu. Ele
quer entrar no vazio, no não-ser.
Até que aparece uma moça que dá
vida a ele.
Só que a moça vai acabar se fascinando por Marcelo, e é aí que o
garoto tem sua paixão perdida novamente e volta para o vazio. O filme é sobre o ser/não-ser.
Folha - Um drama de conotação
hamletiana...
Khouri - Exatamente. O filme é
baseado em um pedaço de "Hamlet", que diz: "For in that sleep of
death what dreams may come?"("Do sono da morte, que sonhos poderão vir?"). Ou seja, talvez seja melhor não-ser, que é o tema central do zen. Pode parecer
pretensioso, mas não é. É um filme
difícil. Para as mulheres, diz coisas
fundamentais.
Folha - E Vera Fischer vai estar
mesmo em seu elenco novamente?
Khouri - A Vera tem problemas
de agenda. Então, fiz um prospecto para ela, em que ela é a lembrança do garoto. Mas ainda estamos
com problemas porque a mãe da
Vera está doente, então... Reescrevi a história por conta desses compromissos. Vai começar só com a
mãe e um rosto de criança dormindo, as evocações dele. Então,
há um estrondo de automóvel, a
criança acorda e, então, não há
mais mãe. É um filme sobre a possibilidade do encontro. Modéstia à
parte, é um dos melhores roteiros
que já escrevi.
Folha - O que vem depois de
"Paixão Perdida"?
Khouri - Nosso próximo filme
deve ser o "La Flame" (A Chama),
uma co-produção francesa, com
locações em castelos medievais.
Tem temática mais religiosa, é
uma mulher que se queima em
busca da complementação espiritual. Aí tem o "Il Fuoco", de que
estávamos falando, e "Febre", que
é uma história de como as coisas
tomam caminhos errados. Um publicitário se envolve com uma moça que mexe com umbanda. Então, ela faz uma oferenda, e ele utiliza isso para um trabalho dele. Só
que ela sobe. Ele vai para o vinagre.
O roteiro não está inteiro ainda.
Folha - Nos anos 60, o sr. ia contra a corrente, ao recusar a estética do cinema novo. Agora, com a
volta de uma variada produção nacional, o sr. não considera ser este
o melhor momento para suas
obras serem compreendidas?
Khouri - Muita gente me diz isso. Eu não mudo, não mudei e não
vou mudar. Sou um só e a indústria é um todo. Nasci em São Paulo, sou um ser urbano. Minha mãe
era italiana, aprendi a falar italiano
antes de falar português. Meu pai
também não era brasileiro. Meu
universo é esse. Estudei filosofia e
procuro ser fiel a mim mesmo. Se
isso ainda for contra a corrente,
faz parte do jogo da vida.
Folha - O sr. começou sua carreira como assistente de Lima Barreto, durante "O Cangaceiro". Não
foi influenciado em nada?
Khouri - Lima tinha um temperamento muito diferente. Trabalhei com ele muito pouco, decidi
sair, e ele me disse: "A melhor coisa que você fez foi deixar de ser
meu assistente porque você é muito pretensioso". Depois que fiz
"Noite Vazia", ele foi até a minha
casa e disse: "Você fez o melhor
filme brasileiro a que assisti até hoje". Se tive alguma influência, foi
saber que o diretor tem que se impor. Não pode ter aquela coisa de
obra coletiva. Existem diretores
que ficam pensando: "Ai, meu
Deus, o que é que o ator vai pensar,
o assistente etc.". Em um ano que
trabalhei com Lima, aprendi que,
se o diretor fizer uma porcaria,
tem que ser a porcaria dele.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|