São Paulo, sábado, 09 de julho de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Zola da seca, Rodolfo Teófilo antecipou geração de 1930

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Podemos chamá-lo, livremente, de Émile Zola (1840-1902) da peste ou da seca. O farmacêutico e escritor Rodolfo Teófilo (1853-1932), nascido na Bahia e cearense por adoção afetiva, não ficaria nada triste em ser filiado ao naturalismo do escritor francês do século 19.
No seu romance "A Fome", publicado em 1890, primeira grande saga literária dedicada ao ciclo das estiagens no Brasil, Teófilo enxerga o homem, cientificamente, como um rato, uma besta humana.
O livro foi também pioneiro em denunciar, muito antes dos jornais, o descaso dos governos com o flagelo da seca. Em alguns momentos, a narrativa cede parágrafos e parágrafos a um certo didatismo que hoje pode nos parecer óbvio.
Na época, contudo, era a pólvora da mais absoluta novidade e do choque.

SUJOS E MALVADOS
Focado nas secas de 1877 a 1879, conhecida na região como a seca dos três setes, o romance retrata os molambudos, sujos e malvados que atormentavam a cidade de Fortaleza (CE).
Os miseráveis batendo na porta da Aldeia, Aldeota, para aperrear, como na canção do cantor e compositor cearense Ednardo.
Simeão de Arruda, protagonista da saga, exerce o cargo de comissário de um dos barracões de flagelados geridos pelo governo do Ceará. No conjunto desses cercados, espécies de campos de concentração para evitar que as pestes, como a varíola, se espalhassem nas cidades, viviam cerca de 100 mil pessoas durante a grande seca.

ROMANCE REGIONAL
Ao ver o horror de perto, Simeão pode ser considerado o primeiro grande personagem de um romance regional que viveria seu ciclo de ouro nos anos 1930, com "O Quinze", de Raquel de Queiroz, "A Bagaceira", de José Américo de Almeida, entre outros.
Como farmacêutico, Teófilo chegou a fabricar vacinas caseiras para combater a varíola. Como escritor, expôs à frieza do documentário e ao sol da ficção, capaz de iluminar qualquer realidade, as dores do mundo que poderiam se passar em território nordestino ou russo.
Teófilo era um zolista crônico, como sopra aqui a sábia e estudiosa do assunto Laís Azevedo, que escreve para o site Literatura em Foco. Só esse aspecto, mas tendo ao fundo um cenário mais pesado do que o do francês, faz valer o livro, que volta em edição caprichada.

ILUSTRE DESCONHECIDO
"Mesmo no Ceará, sabe-se muito pouco sobre ele. No restante do Brasil, Teófilo permanece, de modo injusto, a ser um ilustre desconhecido, até por parte dos pesquisadores mais conscienciosos", escreve Lira Neto, no posfácio dessa nova edição de "A Fome".
Biógrafo de Padre Cícero, Lira havia feito, na mesma universalíssima história, "O Poder e a Peste", livro que conta a vida do homem Teófilo e as suas circunstâncias.

A FOME

AUTOR Rodolfo Teófilo
EDITORA Tordesilhas
QUANTO R$ 52 (368 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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