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GASTRONOMIA
REVIVAL
Ingrediente está sendo usado cada vez mais por restaurantes refinados
Banha de porco volta aos cardápios de Nova York
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Musse de chocolate. Ingredientes: uma barra de chocolate amargo, ovos, leite, açúcar e banha de
porco. Isso mesmo, banha de porco, a velha gordura branca pastosa, o lardo, o lanho.
Espécie de anticristo da cozinha
moderna, a banha de porco experimenta uma volta, como o rock
dos anos 80 e a jaqueta de jeans.
Gourmets e gourmands estão
descobrindo o que nossas avós já
intuíam e anos e anos de militância de cozinheiros politicamente
corretos ajudaram a esconder.
O lardo existe na culinária das
Américas desde que os imigrantes
europeus trouxeram para cá o
animal, no começo do século 16.
Antes de cair em desgraça, no começo dos anos 60, tinha largo uso
em pratos tão díspares quanto o
feijão e a torta de maçã.
Por que em lugares tão refinados quanto os três estrelas Rosa
Mexicano e Maya, em Nova York,
se voltou a comer um ingrediente
que, além de dar um gosto inconfundível aos pratos aos quais é
acrescentado, também serve para
fazer sabão, lubrificar motor e iluminar lampião?
Aqui, faz-se necessário um parêntese. A banha de porco é composta de quase 100% de gordura,
contra 92% da gordura de vaca e
81% da manteiga. Nos anos 50, as
universidades norte-americanas
começaram a soltar os primeiros
estudos que ligavam níveis altos
de colesterol no sangue ao consumo de gordura animal.
Na década seguinte, esses níveis
elevados de colesterol foram relacionados aos infartos. Mas foi nos
anos 70 e 80 que nutricionistas
popularizaram as descobertas,
quase banindo o ingrediente do
cardápio do homem moderno.
A reabilitação se deu no final do
século passado, quando pesquisadores fizeram pela primeira vez a
distinção entre gordura saturada
e não-saturada, que resultam respectivamente no "mau colesterol" e no "bom colesterol".
Segundo o FDA, o órgão público federal norte-americano que
regula os alimentos consumidos
no país, a banha de porco tem
42% de gordura saturada e 54%
de gordura insaturada.
Os índices são -milagre!-
melhores que por exemplo os da
manteiga (43% de saturada, 30%
de insaturada), cuja imagem curiosamente é mais positiva. Foi o
que bastou para toda uma geração de BoBos redescobrirem os
velhos prazeres do porco.
Aqui, faz-se necessário outro
parêntese. BoBo, como já escreveu a expert Nina Horta nesta
mesma página, é sigla para "bourgeois bohemians", ou burgueses
boêmios. Segundo o jornalista
David Brooks, em seu livro "BoBos in Paradise", trata-se da nova
classe que se preocupa tanto com
o meio ambiente quanto com a
culinária ascendente do sudeste
asiático.
Quem está se beneficiando mais
com a nova onda é a culinária mexicana. Tradicionalmente, enchiladas, tamales e chalupas são cozidos com banha de porco. Anos e
anos de miscigenação em cidades
como Nova York, no entanto,
afastaram o ingrediente até de
restaurantes típicos.
Não mais. A culpa é dos BoBos,
mas também da cada vez mais
crescente população hispânica do
país. Segundo dados divulgados
segunda-feira última pelo censo
norte-americano, 11% da população do país é de imigrantes, a
maior parte de hispânicos.
"Fazer um tamale com gordura
vegetal em vez de banha é o mesmo que pedir para um francês fazer um croissant com azeite em
vez de manteiga", disse o chef
Rick Bayless, que apresenta o programa "Mexico, One Plate at a Time" na TV pública PBS.
Os números acompanham o
entusiasmo de Bayless. Ainda segundo dados do FDA, o consumo
de banha de porco cresceu de 130
mil toneladas em 1992 para 250
mil toneladas em 1999. Longe ainda das 420 mil toneladas de 1970,
mas já uma recuperação.
E não pense que isso deixa os
hispânicos mais doentes. Segundo a todo-poderosa American
Heart Association, apenas 26% da
população hispânica adulta tem
altos níveis de colesterol, menos
do que os 30% de norte-americanos brancos e o menor índice de
qualquer minoria dos EUA.
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