São Paulo, quinta-feira, 09 de agosto de 2001

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GASTRONOMIA

REVIVAL

Ingrediente está sendo usado cada vez mais por restaurantes refinados

Banha de porco volta aos cardápios de Nova York

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Musse de chocolate. Ingredientes: uma barra de chocolate amargo, ovos, leite, açúcar e banha de porco. Isso mesmo, banha de porco, a velha gordura branca pastosa, o lardo, o lanho.
Espécie de anticristo da cozinha moderna, a banha de porco experimenta uma volta, como o rock dos anos 80 e a jaqueta de jeans. Gourmets e gourmands estão descobrindo o que nossas avós já intuíam e anos e anos de militância de cozinheiros politicamente corretos ajudaram a esconder.
O lardo existe na culinária das Américas desde que os imigrantes europeus trouxeram para cá o animal, no começo do século 16. Antes de cair em desgraça, no começo dos anos 60, tinha largo uso em pratos tão díspares quanto o feijão e a torta de maçã.
Por que em lugares tão refinados quanto os três estrelas Rosa Mexicano e Maya, em Nova York, se voltou a comer um ingrediente que, além de dar um gosto inconfundível aos pratos aos quais é acrescentado, também serve para fazer sabão, lubrificar motor e iluminar lampião?
Aqui, faz-se necessário um parêntese. A banha de porco é composta de quase 100% de gordura, contra 92% da gordura de vaca e 81% da manteiga. Nos anos 50, as universidades norte-americanas começaram a soltar os primeiros estudos que ligavam níveis altos de colesterol no sangue ao consumo de gordura animal.
Na década seguinte, esses níveis elevados de colesterol foram relacionados aos infartos. Mas foi nos anos 70 e 80 que nutricionistas popularizaram as descobertas, quase banindo o ingrediente do cardápio do homem moderno.
A reabilitação se deu no final do século passado, quando pesquisadores fizeram pela primeira vez a distinção entre gordura saturada e não-saturada, que resultam respectivamente no "mau colesterol" e no "bom colesterol".
Segundo o FDA, o órgão público federal norte-americano que regula os alimentos consumidos no país, a banha de porco tem 42% de gordura saturada e 54% de gordura insaturada.
Os índices são -milagre!- melhores que por exemplo os da manteiga (43% de saturada, 30% de insaturada), cuja imagem curiosamente é mais positiva. Foi o que bastou para toda uma geração de BoBos redescobrirem os velhos prazeres do porco.
Aqui, faz-se necessário outro parêntese. BoBo, como já escreveu a expert Nina Horta nesta mesma página, é sigla para "bourgeois bohemians", ou burgueses boêmios. Segundo o jornalista David Brooks, em seu livro "BoBos in Paradise", trata-se da nova classe que se preocupa tanto com o meio ambiente quanto com a culinária ascendente do sudeste asiático.
Quem está se beneficiando mais com a nova onda é a culinária mexicana. Tradicionalmente, enchiladas, tamales e chalupas são cozidos com banha de porco. Anos e anos de miscigenação em cidades como Nova York, no entanto, afastaram o ingrediente até de restaurantes típicos.
Não mais. A culpa é dos BoBos, mas também da cada vez mais crescente população hispânica do país. Segundo dados divulgados segunda-feira última pelo censo norte-americano, 11% da população do país é de imigrantes, a maior parte de hispânicos.
"Fazer um tamale com gordura vegetal em vez de banha é o mesmo que pedir para um francês fazer um croissant com azeite em vez de manteiga", disse o chef Rick Bayless, que apresenta o programa "Mexico, One Plate at a Time" na TV pública PBS.
Os números acompanham o entusiasmo de Bayless. Ainda segundo dados do FDA, o consumo de banha de porco cresceu de 130 mil toneladas em 1992 para 250 mil toneladas em 1999. Longe ainda das 420 mil toneladas de 1970, mas já uma recuperação.
E não pense que isso deixa os hispânicos mais doentes. Segundo a todo-poderosa American Heart Association, apenas 26% da população hispânica adulta tem altos níveis de colesterol, menos do que os 30% de norte-americanos brancos e o menor índice de qualquer minoria dos EUA.


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