São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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Fenômeno Da Vinci

France Presse - 24.mai.1999
O quadro "A Última Ceia", de Leonardo da Vinci, que, segundo o best-seller "O Código da Vinci", contém pistas sobre segredos da igreja


Best-seller "O Código Da Vinci" gera movimento de resistência e livros que contestam teorias conspiratórias

ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quinze milhões de livros vendidos no mundo todo, número um nas listas de mais vendidos na Inglaterra, nos Estados Unidos, Alemanha, Argentina, Brasil e outros países, traduzido para 42 idiomas e com um filme já em andamento, nas mãos da mesma equipe (o diretor Ron Howard e o roteirista Akiva Goldsman) que transformou a história do matemático John Nash em "Uma Mente Brilhante", Oscar de melhor filme de 2002. O comportamento do best-seller "O Código Da Vinci" não difere de muitos livros que passaram do mercado editorial para o imaginário popular, sempre com cifras de oito ou nove dígitos.
A linguagem ágil e a narrativa cinematográfica dada por seu autor Dan Brown também o aproximam de outros popstars da zona do crepúsculo entre o cinema e os livros, como Stephen King, J.K. Rowling, Robert Lundlum e John Grisham. Mas é o conteúdo de "Código" que o torna tão alienígena tanto nas prateleiras quanto futuramente nas salas de cinema.
É que o livro acompanha as aventuras do professor de Harvard Robert Langdon e da criptóloga parisiense Sophie Neveu, que se encontram após o assassinato do curador do museu do Louvre. Seguindo uma série de pistas deixadas de formas estratégicas, os dois aos poucos desvendam o que chamam de "a maior conspiração da história": que a Igreja Católica foi fundada sobre o segredo de que Jesus Cristo era um simples mortal (casado, e com filhos, com Maria Madalena) e que sua santidade foi aferida séculos após sua morte, para justificar a própria existência da igreja.
Pelo livro, os dois protagonistas se guiam por pistas deixadas em quadros de Leonardo da Vinci, cujo clássico "A Última Ceia" seria uma grande piada contada sob o nariz da Igreja Católica, sem que esta percebesse. Ainda cruzam o livro sociedades secretas como a Opus Dei, os Cavaleiros Templários e o Priorado de Sião, esta última dedicada a passar, pelos séculos, a verdade sobre o Vaticano. A história ainda é temperada por assassinatos, autoflagelação, rituais mágicos e o clima de thriller policial que faz Brown parecer uma espécie de Umberto Eco pop.
O nervo cutucado pelo livro surtiu efeito e pode ser medido além do sucesso editorial de "Código", em várias publicações que surgiram a partir deste. São mais de doze livros publicados sobre o tema, quase todos mostrando que as argumentações de Brown são falhas ou incríveis, esquecendo-se que o livro pertence ao território da ficção. Dois destes livros acabaram de chegar ao Brasil: "Quebrando o Código Da Vinci", do professor Darrell L. Bock, e "Revelando o Código Da Vinci", de Martin Lunn (veja quadro).
"A maior parte do material usado por Brown veio do livro "A Irmandade Secreta e o Santo Graal" ("Holy Blood, Holy Grail", de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, de 1983) ou foram emprestadas preguiçosamente de algumas idéias em aulas de religião sobre Jesus dadas em universidades", explica Bock, que enfatiza não ser católico.
"Há, na verdade, três grandes falsas acusações quando nos referimos à igreja", diz o autor. "A primeira é que Jesus foi casado com Maria Madalena e teve filhos. A segunda é que a divindade de Jesus foi votada em um conselho fechado no início do século 4. A terceira é que os quatro evangelhos da Bíblia foram escolhidos a partir de 80 outros evangelhos porque eles consideravam Jesus divino", conclui Bock.
Ele segue rebatendo cada uma das acusações. "Primeiro, não há nenhum texto que diz que Jesus foi casado. Na verdade, teólogos liberais e conservadores concordam que Jesus não foi casado. Tal concordância é rara e quando ocorre é muito provável que o assunto seja correto."
"A divindade de Jesus foi afirmada em seu próprio tempo, por seus seguidores diretos", diz o professor Bock. "Há inclusive uma carta de um governador romano do século 2 que reporta cristãos cantando hinos para Jesus como Deus, e isso 200 anos antes da data que Dan Brown afirma que este assunto foi resolvido. Além disso, duas pessoas do Conselho de Nice, que era composto por 216 ou 316 pessoas, votaram contra a afirmação que lá foi defendida. Não há números corretos sobre a quantidade de pessoas que compareceram. Os votos foram abertos."
"Quanto à terceira acusação, há apenas 12 evangelhos dos séculos 2 e 3 além dos evangelhos bíblicos do primeiro século, e não 80, e eles contam muito pouco sobre Jesus. Alguns desses textos têm uma teologia diferente da cristã, por isso foram rejeitados. Por exemplo, em alguns textos, Jesus riu no paraíso porque as pessoas achavam que estavam crucificando Jesus, mas de acordo com estes textos, não era ele quem foi crucificado porque Deus não pode ter carne humana."


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