São Paulo, terça-feira, 09 de agosto de 2005

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Grupo Corpo questiona a existência no espetáculo "Onqotô", que estréia amanhã no teatro Alfa, em SP

Mergulho interior

LUCIANA ARAUJO
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Num vôo rumo ao chão, o homem busca a resposta à sua pergunta diante do mundo: "Onde estou?". Questão que em "mineirês" se traduz no novo espetáculo do Grupo Corpo, "Onqotô", em cartaz a partir de amanhã, no teatro Alfa, em São Paulo, a primeira das cinco capitais da turnê nacional, que traz ainda a reapresentação de "Lecuona" (2004).
O questionamento existencial -"onqotô?", "para onde vou?" ("pronqovô?") e "quem eu sou?" ("qemqosô?")- marca a inquietação dos gestos de busca da coreografia que Rodrigo Pederneiras desenvolveu a partir da trilha sonora de Caetano Veloso e José Miguel Wisnik, criada, entre outras reflexões, a partir da idéia contida na frase de Nelson Rodrigues sobre a clássica rivalidade do futebol carioca, "O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada".
Wisnik ressalta que ""onqotô" tanto parece uma palavra africana quanto oriental e indígena, como se rodasse por toda parte", assim como a companhia de dança, que rodou o mundo em 30 anos de existência.
Para abrigar essa busca pela origem em música e dança, Paulo Pederneiras idealizou um "não-cenário", que expressa o começo e o vazio, o princípio do universo. "Livrei-me de todas as referências do palco, apelando para a forma redonda", conta ele, que também é o diretor artístico e o responsável pela iluminação do espetáculo.
Dispostas num semicírculo e esticadas do chão até uma altura de nove metros, tiras de borracha remetem ao mesmo tempo às formas de uma aldeia, de um planeta e de um estádio de futebol.
A presença do futebol, no entanto, é apenas pressentida: os dribles incorporados à coreografia, a iluminação vinda de cima, os tênis e as joelheiras do figurino idealizado por Freusa Zechmeister funcionam como proteção para os bailarinos, pois o impacto dos corpos contra o chão é primordial em "Onqotô".

Antes era o nada
Como um sopro criador, a música "Fla-Flu" embala os movimentos iniciais ao som de flautas. Na seqüência, os bailarinos dançam em bloco, com movimentos que percutem no chão. "A busca da identidade se dá na terra, e o corpo é este veículo que viaja sobre ela", diz Rodrigo Pederneiras.
A procura por respostas é de todos e de cada um. Corpos dançam juntos e, vez ou outra, um bailarino se desprende para encenar um solo. "São reflexões sobre grupos e indivíduos; uniões e separações", explica o coreógrafo.
Dois homens rastejam "entre o chão e o não", sob a canção "Madre Deus": "Frente ao infinito/ costas contra o planeta". Noutro momento, a canção tribal "Cobra do Caos" conduz os passos de mulheres, expressando a feminilidade da terra fértil.
A busca também se faz no corpo do outro e em confrontações. Um homem e uma mulher movem-se com violência; duas mulheres tocam-se com languidez. Ambas as duplas em sintonia com os versos musicados do poema "Mortal Loucura", de Gregório de Matos (1636-1695). O Fla-Flu, no início sugerido instrumentalmente, escancara-se em passos de hip hop no ritmo de "Big Bang", em que Caetano e Wisnik contestam a aceitação da expressão inglesa.

Coreografia de músculos
Solidão e opressão marcam o caminho do homem sobre a Terra. Diante dela, ele se sente um nada. Neste ponto, um dos momentos mais intensos, versos de "Os Lusíadas", de Camões, são cantados pela não-cantora Gracie.
Encolhido, "um bicho da terra tão pequeno", o bailarino Helbert Pimenta movimenta-se sob uma luz que simula as dos carros de polícia. A platéia só vê as costas e braços do homem/coisa em sua coreografia de músculos.
Por fim, quando a voz de "Onqotô" se transforma em música, um homem despenca sobre o palco. E permanece ali, imóvel, um corpo estendido no chão.


A jornalista Luciana Araujo viajou a convite do Grupo Corpo

Onqotô - Grupo Corpo
Quando:
qua. a sáb., às 21h; dom., às 18h; até 21 de agosto
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, SP, tel. 0/xx/11/ 5693-4000)
Quanto: R$ 30 a R$ 70
Quando: 31/8 a 5/9, às 20h; 4/ 9, às 17h
Onde: Teatro Municipal (pça. Floriano, s/ nš, RJ, tel. 0/xx/21/ 2262-3935)
Quanto: R$ 30 a R$ 70
Quando: 8/9 a 13/9, às 21h; 11/ 9, às 19h
Onde: Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, BH, tel. 0/ xx/31/3237-7399)
Quanto: R$ 50
Quando: 29 a 3/10, às 21h; dia 2, às 20h
Onde: teatro Nacional (Setor Cultural Norte, via n2 , s/nš, Brasília, tel. 0/xx/61/ 3325-6256)
Quanto: R$ 50
Quando: 8/10, às 21h; 9/10, às 19h
Onde: Teatro do Sesi (av. Assis Brasil, 8.787, Porto Alegre, tel. 0/xx/51/3347-8706)
Quanto: R$ 30 a R$ 60


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