São Paulo, quinta-feira, 09 de agosto de 2007

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O outro Adriá

Irmão do celebrado chef Ferran Adrià, Albert Adrià, craque nos doces, defende importância da sobremesa

GIULIANA BASTOS
DO GUIA DA FOLHA

Não é fácil ser irmão de gênio. Os holofotes estão o tempo todo ali, mas sempre voltados para outro foco. Mas quando a genialidade brota em um ex-administrador, filho de um pintor de paredes, em uma cidadezinha próxima de Barcelona, no interior da Espanha, o quadro pode ficar mais doce.
Em vez de ficar à sombra do celebrado chef catalão Ferran Adrià, Albert, o irmão do gênio, foi à luta. Aos 16 anos, largou os estudos para trabalhar no restaurante de Ferran, o El Bulli (www.elbulli.com). Na época, era apenas mais um restaurante à beira de uma baía, na Catalunha. Mas a casa já dava sinais do caminho que ia trilhar.
Após dois anos conhecendo as funções em uma cozinha, Albert se apaixonou pelos sabores, texturas e aromas de frutas, especiarias e chocolate e nunca mais abandonou a estação das sobremesas. Hoje, com 38 anos, é considerado um dos melhores doceiros contemporâneos, sendo o responsável pelas sobremesas do que foi considerado, por dois anos consecutivos, o melhor restaurante do mundo, segundo a revista inglesa "Restaurant".
"Me considero um cozinheiro antes de tudo, mas nos doces sentia um cheiro melhor que na fritura", brinca.
Atualmente, Albert tem papel fundamental no sucesso do El Bulli, como afirma o próprio Ferran. Além de mostrar seu talento nas sobremesas do menu-degustação, ele é o diretor do laboratório, espaço instalado em Barcelona, de onde saem as tendências que serão copiadas logo depois no mundo todo.
Hoje, a cada cem pessoas que buscam estágio no restaurante, apenas dez se interessam em trabalhar na estação de pâtisserie do El Bulli. Sinal de que poucos sabem que ali as sobremesas não são um universo à parte, restrito ao último prato. Na terra dos Adrià, os doces também merecem destaque.
"A sobremesa tem de ser arrebatadora", defende Albert. "É a última recordação do jantar, é como o final da festa."
Para tal, o chef tem ao seu dispor quatro das 11 fases do menu-degustação (pré-sobremesa, sobremesa, petit-fours e "morphings" -espécie de pós-petit-fours), com cerca de quatro a sete receitas criadas no laboratório com técnicas e combinações inusitadas. Segundo Albert, a tarefa de surpreender comensais após mais de 20 pratos repletos de novidades, emoções e pequenas brincadeiras é um grande desafio.
Um exemplo de como o chef consegue tal proeza é a Cruz Negra, que, criada em homenagem a outro catalão, o artista plástico Antoni Tàpies, mescla praliné de gergelim preto, espuma de chocolate, molho de iogurte e crocante de leite de cacau.
O chef esclarece, no entanto, que "espuma já é algo do passado". Ele está trabalhando agora na criação de um biscoito feito em 40 segundos (no sifão e assado no forno microondas).

Arrepios no jantar
Convicto de seu trabalho e da proposta revolucionária do El Bulli, ele não teme as críticas (muitas vezes até ri delas). As que se referem às novas tecnologias, ele responde: "Garfo, fouet, batedeira e sifão, todos buscam o mesmo: incorporar ar a um líquido".
"Não cozinhamos para este senhor ou para aquele outro, e sim para as 50 pessoas que vêm comer aqui a cada noite, queremos que elas fiquem felizes e se emocionem, se arrepiem duas, três vezes com o nosso menu."
Os que querem se "arrepiar" e podem "investir" 220 (cerca de R$ 580) em um jantar, devem mandar um e-mail (bulli@elbulli.com) ou ligar (00/xx/34/972-150457) para o restaurante e fazer a reserva para a temporada de 2009. Antes disso, só os privilegiados que já têm data marcada para a felicidade. Aos outros, resta torcer para que o chef e seu irmão, que vêm ao Brasil (incluindo São Paulo e Amazônia) em dezembro, dêem uma palhinha por aqui.


Leia a receita da Cruz Negra, de Albert Adrià

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