|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"O Maníaco do Olho Verde"
Obscuro ou não, sexo é melhor que a violência em novo livro de contos
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um rápido levantamento nos contos do novo
livro de Dalton Trevisan, "O Maníaco do Olho Verde", aponta para os seguintes
temas principais, que obviamente terminam por se misturar: o mundo das drogas, da
marginalidade e da bandidagem; a degradação da velhice; a
questão sexual e suas variações
agressivas e ilegais; e, com destaque, a violência policial.
Os textos ligados ao último
tema, na ordem do dia nesses
tempos de milícias e tiros disparados com tanta facilidade,
curiosamente provocam as
passagens frágeis do volume.
Parecem escritos com menos
interesse pelo autor, como se
ele precisasse cumprir uma suposta obrigação de reelaborar
com a máxima carga possível o
vínculo da ficção com a realidade mais atual.
Sexualidade humana
O contrário acontece com os
textos que de algum modo lidam com os cantos obscuros e
não tão obscuros assim da sexualidade humana. Dalton Trevisan já escreveu algumas narrativas marcantes sobre o assunto ao longo dessas décadas
em que, com uma regularidade
impressionante, vem publicando seus contos.
Aqui, a história de maior alcance é a que dá nome ao livro.
O personagem, que aparecera
outras vezes durante a obra, assume a voz e tenta entender as
razões de seus desvios. Ele começa assim: "Basta ser mulher,
só o que vejo. O assobio, só o
que escuto. É uma doença, certo? O bruto que se empina aqui
no meio das pernas. Corcoveia
e relincha. De mim faz o que
bem quer. Ordena, eu executo.
Não consigo controlar".
A partir daí, o tom quase arrependido vai se alterando, numa demonstração magistral de
ritmo, para, ao final, se transformar completamente: "Podem me condenar, babacas e
bundões. O que eu faço? Tudo o
que vocês gostariam. Eu sou
um de vocês".
Desfecho redentor
Sem sair das investigações
sexuais, mas em outro registro,
que beira o cômico apesar da
tragédia descrita, também merece destaque "O Noivo Perneta", em que Dalton Trevisan
quebra as expectativas do leitor
apontando para um desfecho
redentor que, em seguida, desmorona.
Enfim, a despeito da constatação de que há em "O Maníaco
do Olho Verde" tanto contos
memoráveis quanto contos esquecíveis, o que fica é a confirmação, mais uma vez, de uma
das mais consistentes produções da literatura brasileira
contemporânea.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP
O MANÍACO DO OLHO VERDE
Autor: Dalton Trevisan
Editora: Record
Quanto: R$ 28 (128 págs.)
Avaliação: bom
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Rodapé literário: Vertigens da analogia Índice
|