São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2008

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Crítica/"O Maníaco do Olho Verde"

Obscuro ou não, sexo é melhor que a violência em novo livro de contos

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um rápido levantamento nos contos do novo livro de Dalton Trevisan, "O Maníaco do Olho Verde", aponta para os seguintes temas principais, que obviamente terminam por se misturar: o mundo das drogas, da marginalidade e da bandidagem; a degradação da velhice; a questão sexual e suas variações agressivas e ilegais; e, com destaque, a violência policial. Os textos ligados ao último tema, na ordem do dia nesses tempos de milícias e tiros disparados com tanta facilidade, curiosamente provocam as passagens frágeis do volume. Parecem escritos com menos interesse pelo autor, como se ele precisasse cumprir uma suposta obrigação de reelaborar com a máxima carga possível o vínculo da ficção com a realidade mais atual.

Sexualidade humana
O contrário acontece com os textos que de algum modo lidam com os cantos obscuros e não tão obscuros assim da sexualidade humana. Dalton Trevisan já escreveu algumas narrativas marcantes sobre o assunto ao longo dessas décadas em que, com uma regularidade impressionante, vem publicando seus contos. Aqui, a história de maior alcance é a que dá nome ao livro. O personagem, que aparecera outras vezes durante a obra, assume a voz e tenta entender as razões de seus desvios. Ele começa assim: "Basta ser mulher, só o que vejo. O assobio, só o que escuto. É uma doença, certo? O bruto que se empina aqui no meio das pernas. Corcoveia e relincha. De mim faz o que bem quer. Ordena, eu executo. Não consigo controlar". A partir daí, o tom quase arrependido vai se alterando, numa demonstração magistral de ritmo, para, ao final, se transformar completamente: "Podem me condenar, babacas e bundões. O que eu faço? Tudo o que vocês gostariam. Eu sou um de vocês".

Desfecho redentor
Sem sair das investigações sexuais, mas em outro registro, que beira o cômico apesar da tragédia descrita, também merece destaque "O Noivo Perneta", em que Dalton Trevisan quebra as expectativas do leitor apontando para um desfecho redentor que, em seguida, desmorona. Enfim, a despeito da constatação de que há em "O Maníaco do Olho Verde" tanto contos memoráveis quanto contos esquecíveis, o que fica é a confirmação, mais uma vez, de uma das mais consistentes produções da literatura brasileira contemporânea.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

O MANÍACO DO OLHO VERDE
Autor: Dalton Trevisan
Editora: Record
Quanto: R$ 28 (128 págs.)
Avaliação: bom



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