São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2000

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LIVROS/LANÇAMENTOS

LITERATURA
"Os Vermes", de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, mostra disputas em cidade imaginária
Verme traz à tona os bastidores do poder

Adriana Elias/Folha Imagem
José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta (ao fundo), autores de "Os Vermes", que está sendo lançado pela Objetiva


MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Helmino é um jovem verme rotífero, com cílios para comer e andar. No primeiro dia de vida, está de papo para o ar, sobre uma folha de alface, ouvindo música ambiente, quando é engolido por um político, a bordo de um avião.
As andanças do verme pelo corpo do político, chamado de Ele, e as intrigas pelo poder em Arca, a capital de um país imaginário, formam a narrativa de "Os Vermes", fábula de José Roberto Torero, colunista da Folha, e Marcus Aurelius Pimenta.
Arca é uma cidade planejada, inspirada no corpo humano. Os bairros são setorizados. Os pobres moram nos pés, especialmente nos calos, os bordéis ficam no ventre e o setor de bares fica no bairro do Fígado. A sauna só poderia estar no sovaco esquerdo.
Vista do alto, a capital era para parecer um homem sorrindo. Mas, num erro de cálculo, o sorriso, a praça da Gargalhada, saiu muito aberto e Arca ganhou um ar abobalhado, em que no olho direito está o Congresso e, no esquerdo, o Sumo Tribunal. É evidente que Brasília, as conspirações políticas, a sede pelo poder e as disputas inspiram a trama.
Torero e Pimenta já publicaram juntos "Terra Papagalli" e "Santos, um Time dos Céus" e escreveram a peça "Omelete".

Folha - Vocês conheciam, antes, os detalhes da vida de um verme em um corpo humano?
José Roberto Torero -
Não. Pesquisamos. Está quase tudo correto. O verme existe mesmo. Mas não iria até o cérebro, como o narrador. É do tamanho de um ponto final. Não faz mal, não é um parasita prejudicial.
Marcus Pimenta - Ele fica mais no pâncreas.

Folha - O livro nasceu já com um narrador que é um verme?
Torero -
A primeira idéia era um lobista narrando sobre uma cidade chamada Arca. Foi na quinta versão que decidimos fazer com que o verme fosse o narrador.

Folha - O pano de fundo do livro é a disputa entre os que defendem a privatização e os contrários?
Torero -
A idéia é mostrar essa passagem de uma casta política para outra. A que se metia mais com empreiteiros, da década de 70 e 80, e a que se relaciona mais com bancos e mercados de capitais, como a de hoje. Ambas são do mal.

Folha - Quem vocês entrevistaram?
Torero -
Muitos jornalistas, que ajudaram a dar essa idéia e escolher o que contar. Para mostrar essa mudança da elite política, tem de se montar uma grande votação, pois é nas grandes votações, como por exemplo na da reeleição, que se vêem os mecanismos de corrupção e como funciona a divisão do poder.
Pimenta - É assim que eles preparam a base econômica para uma próxima eleição.

Folha - O que existe de real nas personagens?
Torero -
Muitas biografias dos nossos políticos são baseadas em fatos reais. Mas tem histórias reais, que contaram para a gente, que são melhores do que a gente escreveu, como a de um político que fez uma festa de travestis, dizendo que eram travestis apoiando o inimigo. Não dá para concorrer. A realidade é melhor.

Folha - Por que há tanta escatologia?
Pimenta -
É o mundo do verme. E combina com a moral da história. A luta pela glória é ilusória e sem sentido.
Torero - Tem uma tese que diz que o rei, na Idade Média, era um representante de Deus. De certa forma, o político também se acha uma divindade, pois consegue mudar a vida de alguém rapidamente. Ele é endeusado.
Pimenta - Eles se acham indestrutíveis, poderosos.
Torero - Dentro do Congresso, tem uma senhora que oferece moças para servir aos deputados. Todos estão lá sem família, com dinheiro, poder.

Folha - Esse livro é o mais engraçado que fizeram?
Pimenta -
Engraçado é que, na vida real, a menor forma de vida vai comendo a maior. E o que ganha é o protozoário.
Torero - Esse livro tem mais piadas. O narrador, um verme, empurrou muito para o humor. O tema, política, também. Iria ficar insuportável sem humor.


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