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DRAUZIO VARELLA
Paquidermes estatais
Nossos hospitais públicos são inacreditáveis. Há
poucas exceções que confirmam a
regra, como de costume. Não é a
essas que me refiro neste artigo
nem aos servidores da Saúde dedicados ao trabalho, apesar do
salário ridículo.
Há 40 anos, nós pensávamos
que o Estado deveria construir e
gerenciar hospitais gratuitos para
a população inteira. O lema era:
"Saúde, Direito do Cidadão, Dever do Estado". Naquela época,
defendíamos idéias sem nos preocuparmos com o dinheiro necessário para concretizá-las.
O resultado foi esse que as televisões mostram: filas de pessoas
humildes na frente de prédios velhos com doentes nas macas do
corredor, leitos desativados, poucos funcionários nas funções ativas, muitos encostados na burocracia, desperdício, roubo e humilhação para o usuário. É por
idéias como essa que a sabedoria
popular diz: "De bem-intencionados o inferno está cheio".
Seria imoral oferecer assistência
médica gratuita para todos num
país com as desigualdades do nosso. Tem cabimento, agora, os
mais abastados, além dos privilégios de que desfrutam, ainda receberem tratamento médico de
graça? Na prática, isso significa tirar dinheiro dos pobres e dar aos
ricos.
As consequências desse equívoco trágico estão aí: os hospitais
públicos são impossíveis de administrar. Vamos nos iludir até
quando?
Imagine que você tivesse um botequim modesto, que precisasse
de apenas três empregados no
balcão e um na cozinha para funcionar bem. Suponha que, por alguma razão superior, em vez desses quatro empregados necessários, você fosse obrigado a contratar 20 e ainda um gerente escolhido por um político que você acha
desonesto. E que, a cada eleição,
esse gerente fosse substituído por
um representante de outro grupo
político. Suponha, ainda, que todos ganhassem seus salários independentemente da competência
ou esforço e que houvesse estabilidade de emprego. Você não poderia demitir ninguém, nem mesmo
o funcionário surpreendido ao
sair com mercadorias pela porta
dos fundos. Nesse caso, o máximo
permitido seria abrir um processo
administrativo contra o ladrão,
que levaria anos para ser concluído e no decurso do qual o malandro continuaria recebendo seus
salários, regularmente, é lógico.
Com tanta gente, mais os encargos trabalhistas, ficaria impossível pagar, digamos, mais do que
R$ 300 para cada um. Se, ao menos, pudesse demitir os inúteis,
sobraria para pagar melhor os
que trabalhassem. Não é possível
nem sequer recompensar o esforço individual: aumentou o salário
de um, tem de dar aumento geral.
Como ninguém consegue sustentar com decência uma família ganhando essa miséria, seus empregados provavelmente chegariam
para trabalhar irritados e tratariam mal a clientela. No horário
de serviço, muitos deles fariam bico em outros empregos. Isso para
não mencionar as estripulias do
gerente nomeado pelo político.
Um hospital público é parecido.
Os que conhecem sabem. O dia
em que publicarem quanto custa
a diária num leito ou uma operação de hérnia pelo Estado, somados todos os custos operacionais,
acrescidos dos gastos com o desperdício e a corrupção, haverá comoção popular. Chegaremos à
conclusão de que uma diária é
mais barata num hospital de luxo
e que operar hérnia nos melhores
centros particulares do país sai
mais em conta.
Senão, vejamos: num bom hospital, o médico pede os exames na
véspera da cirurgia e manda o
doente se internar logo cedo, para
operar às sete da manhã. No dia
seguinte, tira o paciente da cama
e o manda para casa com receita
de analgésico e um número de telefone para chamar, se for o caso.
No serviço público, a rotina segue caminhos mais sinuosos. No
ambulatório, o médico também
pede os exames, mas o laboratório demora para marcar a colheita e mais ainda para enviar o resultado. Resultados normais, o
médico inscreve o doente na fila
de internação. Uma dia, a vaga
aparece. Na manhã seguinte, se
não faltar, o cirurgião verifica
que os exames do ambulatório
são de semanas atrás e pede que
sejam repetidos. Mesma rotina de
colheita e espera. Aí vem a fila do
centro cirúrgico. É preciso paciência, às vezes são dias de internação aguardando. Quando chega a
data, o paciente em jejum, a cirurgia pode ser suspensa às duas
da tarde porque a anterior demorou mais do que o previsto, faltaram auxiliares, quebrou a estufa
de esterilização ou houve má vontade geral.
Para não falar nas noites que o
doente passou longe da família,
quanto custa tudo isso para os
nossos cofres? Em nome de que insistir nessa insânia?
É preciso abandonar esse modelo de assistência baseado em hospitais administrados pelo Estado.
Deu errado! É um mau entendimento das funções do Estado: a
ele cumpre o dever ético de pagar
pelo atendimento dos pobres, e
apenas deles, não o de administrar serviços. Tocar hospitais não
é função do Estado!
O que fazer, então? Privatizá-los?
Não. Comunizá-los, transformá-los em santas casas de misericórdia. Explicaremos por que no
próximo artigo.
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