São Paulo, sexta-feira, 09 de setembro de 2005

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FESTIVAL DE VENEZA

Longa-metragem brasileiro dirigido por Lírio Ferreira é apresentado oficialmente na seção Horizontes

Lido assiste ao brasileiro "Árido Movie"

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A VENEZA

"Agora está me caindo a ficha. Vou andando por Veneza e me lembrando das caras das pessoas de Arcoverde (interior de Pernambuco), da mulher da sorveteria, por exemplo", diz o diretor brasileiro Lírio Ferreira, autor de "Árido Movie".
O filme foi apresentado ontem oficialmente no Lido, dentro da seção Horizontes do 62º Festival de Veneza. A seção é paralela à disputa pelo Leão de Ouro mas também competitiva.
A "ficha" que "caiu" para Ferreira numa imaginaria ponte Arcoverde-Veneza é: "Como algo feito no interior pode depois ganhar uma dimensão tão grande".
"Árido Movie", seu segundo longa (o primeiro foi "Baile Perfumado"), levou quatro anos para ser concluído.
"Paramos um ano inteiro por falta de dinheiro", diz o cineasta Murilo Salles, que produz e fotografa o longa-metragem.
O caráter artesanal da produção, de R$ 1,38 milhão, não compromete seu bom resultado. "Árido Movie" é um filme consistente sobre o retorno ao Nordeste de um homem adulto, que havia deixado a região na infância para viver em São Paulo, onde se tornou o "repórter do tempo" na TV. O protagonista Jonas é interpretado pelo ator Guilherme Weber.
""Árido Movie" é o "Em Busca do Tempo Perdido" do Lírio", diz Weber, sobre o caráter pessoal e memorialístico da trama.
Pessoalmente, o ator paranaense diz que se sentiu, "como sulista, recuperando a memória genética brasileira".
A relação do Nordeste com a fé e a violência surgiu na entrevista coletiva sobre o filme, na manhã de ontem. Mas por um viés "folclorizado do Brasil", na interpretação de Ferreira, Salles e Weber.
Folclorizar o Nordeste é tudo o que a equipe de "Árido Movie" não quer.

O filme na competição
A sessão oficial competitiva, que aconteceu depois da conversa com os jornalistas, deixou todos mais contentes.
"Eu que não sou de chorar, chorei", disse Salles. Ele se emocionou com os aplausos da sala, ocupada em aproximadamente 60%, que duraram "quase todo o letreiro, que tem seis minutos".
Foi a primeira vez que Weber viu o filme. A cópia só ficou pronta nas vésperas da projeção no festival. Por isso, o ator teve de contornar o susto quando, pela manhã, perguntaram qual era sua opinião sobre o fato de seu rosto aparecer sem foco na primeira vez que Jonas surge na tela.
Na conversa posterior com a Folha, Weber contou a história entre risadas. Pensei: "Sem foco? E deu tanto trabalho fazer!".
Jonas de fato aparece inteiramente desfocado, na televisão ao fundo da cena, onde seu pai, vivido por Paulo César Pereio está prestes a ser assassinado.

Bangue-bangue cabeçudo
O assassinato, que leva Jonas de volta ao lugar onde nasceu e ao encontro de seus enigmas pessoais, faz do filme "um bangue-bangue existencial cientifico musical", na definição de Ferreira, que não ousou mencioná-la à platéia de jornalistas estrangeiros.
A definição lembra a prosa do cineasta Glauber Rocha (1939-1981) e não é à toa. "A cidade do filme se chama Rocha em homenagem a ele", diz Ferreira. "Qualquer filme que eu fizer vai estar impregnado de Glauber Rocha. "Árido Movie" está."
Ao ouvir isso, Salles rebate: "Eu, como carioca, discordo. Acho que "Árido Movie" é bressaniano [de Júlio Bressane]". É a ocasião para Ferreira sacar uma frase que aparece no filme, dita por José Celso Martinez Corrêa e que se tornou seu bordão preferido para concordar discordando, ou vice-versa: "É. Não é. Mas está sendo".


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