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FESTIVAL DE VENEZA
Longa-metragem brasileiro dirigido por Lírio Ferreira é apresentado oficialmente na seção Horizontes
Lido assiste ao brasileiro "Árido Movie"
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A VENEZA
"Agora está me caindo a ficha.
Vou andando por Veneza e me
lembrando das caras das pessoas
de Arcoverde (interior de Pernambuco), da mulher da sorveteria, por exemplo", diz o diretor
brasileiro Lírio Ferreira, autor de
"Árido Movie".
O filme foi apresentado ontem
oficialmente no Lido, dentro da
seção Horizontes do 62º Festival
de Veneza. A seção é paralela à
disputa pelo Leão de Ouro mas
também competitiva.
A "ficha" que "caiu" para Ferreira numa imaginaria ponte Arcoverde-Veneza é: "Como algo
feito no interior pode depois ganhar uma dimensão tão grande".
"Árido Movie", seu segundo
longa (o primeiro foi "Baile Perfumado"), levou quatro anos para
ser concluído.
"Paramos um ano inteiro por
falta de dinheiro", diz o cineasta
Murilo Salles, que produz e fotografa o longa-metragem.
O caráter artesanal da produção, de R$ 1,38 milhão, não compromete seu bom resultado. "Árido Movie" é um filme consistente
sobre o retorno ao Nordeste de
um homem adulto, que havia deixado a região na infância para viver em São Paulo, onde se tornou
o "repórter do tempo" na TV. O
protagonista Jonas é interpretado
pelo ator Guilherme Weber.
""Árido Movie" é o "Em Busca do
Tempo Perdido" do Lírio", diz
Weber, sobre o caráter pessoal e
memorialístico da trama.
Pessoalmente, o ator paranaense diz que se sentiu, "como sulista,
recuperando a memória genética
brasileira".
A relação do Nordeste com a fé e
a violência surgiu na entrevista
coletiva sobre o filme, na manhã
de ontem. Mas por um viés "folclorizado do Brasil", na interpretação de Ferreira, Salles e Weber.
Folclorizar o Nordeste é tudo o
que a equipe de "Árido Movie"
não quer.
O filme na competição
A sessão oficial competitiva, que
aconteceu depois da conversa
com os jornalistas, deixou todos
mais contentes.
"Eu que não sou de chorar, chorei", disse Salles. Ele se emocionou com os aplausos da sala, ocupada em aproximadamente 60%,
que duraram "quase todo o letreiro, que tem seis minutos".
Foi a primeira vez que Weber
viu o filme. A cópia só ficou pronta nas vésperas da projeção no festival. Por isso, o ator teve de contornar o susto quando, pela manhã, perguntaram qual era sua
opinião sobre o fato de seu rosto
aparecer sem foco na primeira vez
que Jonas surge na tela.
Na conversa posterior com a
Folha, Weber contou a história
entre risadas. Pensei: "Sem foco?
E deu tanto trabalho fazer!".
Jonas de fato aparece inteiramente desfocado, na televisão ao
fundo da cena, onde seu pai, vivido por Paulo César Pereio está
prestes a ser assassinado.
Bangue-bangue cabeçudo
O assassinato, que leva Jonas de
volta ao lugar onde nasceu e ao
encontro de seus enigmas pessoais, faz do filme "um bangue-bangue existencial cientifico musical", na definição de Ferreira,
que não ousou mencioná-la à platéia de jornalistas estrangeiros.
A definição lembra a prosa do
cineasta Glauber Rocha (1939-1981) e não é à toa. "A cidade do
filme se chama Rocha em homenagem a ele", diz Ferreira. "Qualquer filme que eu fizer vai estar
impregnado de Glauber Rocha.
"Árido Movie" está."
Ao ouvir isso, Salles rebate: "Eu,
como carioca, discordo. Acho que
"Árido Movie" é bressaniano [de
Júlio Bressane]". É a ocasião para
Ferreira sacar uma frase que aparece no filme, dita por José Celso
Martinez Corrêa e que se tornou
seu bordão preferido para concordar discordando, ou vice-versa: "É. Não é. Mas está sendo".
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