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JOVEM GUARDA
Seis CDs registram os primeiros passos do inquieto Tremendão
Caixa mostra que Erasmo era mais que o amigo do Rei
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Com chapéu de caipira na cabeça e vara de pescar na mão, Erasmo Carlos pega na mentira na capa de seu primeiro disco solo, "A
Pescaria": estava nascendo ali, em
1965, juntamente do programa de
TV "Jovem Guarda" e do batismo
do movimento, um cantor/compositor que nunca se renderia à
placidez, mantendo-se fiel ao
rock e à inquietação.
Para perceber isso, é fundamental ouvir seus seis primeiros discos, a produção do período RGE
(1965-1970) que volta às lojas em
caixa lançada pela Sony BMG
-com faixas-bônus que só tinham saído em compactos. Há
dois anos, a Universal lançou os
15 CDs do período 1971-1988.
"Ela é "o" sonho", empolgou-se
Erasmo na coletiva de divulgação
da caixa. "Essa caixa carrega todos os anseios de liberdade que os
jovens daquela época carregavam. A jovem guarda não foi mais
do que o apelido brasileiro de
uma revolução mundial, da qual
eu me orgulho de ter participado", disse.
As frases pontuadas por "bicho" e a devoção ao rock ("O rock
veio para a gente acordar. Senão,
estava todo mundo dormindo até
hoje") mostram que Erasmo é um
resultado das tempestades comportamentais dos anos 60. A caixa
ainda prova que ele foi muito
mais do que o amigo de fé do Rei.
Enquanto Roberto Carlos atravessou o rock e o soul, e assumiu o
trono das baladas românticas e
dos hinos messiânicos, Erasmo
nunca ficou sentado à beira do caminho do sucesso fácil.
Se Roberto transformou o totem "Quero que Vá Tudo pro Inferno" em tabu, Erasmo transbordava, em 1970, ironia em "Estou
Dez Anos Atrasado", supostamente uma parceria com o "irmão camarada": "Eu quero começar de novo/ Não quero acompanhar meu povo/ (...) E só dou
meu coração/ Pra quem for da
minha religião."
"Essa música se tornou o hino
do pessoal do [jornal] "Pasquim".
Eles viam como metáfora do que
acontecia no país. Mas eu não tinha essa intenção", assumiu Erasmo, avocando para si e os seus, no
entanto, um papel político. "Uma
guerra não se ganha só no front.
Nós, da jovem guarda, lutamos
com nossa vontade de sermos livres, embora não se saiba até hoje
o que é ser livre."
Liberdade pode ser, por exemplo, amar os Beatles e ameaçar,
em nome das conquistas amorosas, acabar com a beatlemania. É o
que faz no primeiro disco da caixa, o dos clássicos "Festa de Arromba" e "Minha Fama de Mau".
Ou ser erótico ("Você me Acende") e amante à moda antiga ("A
Carta") no disco de 66.
No primeiro álbum de 67, ele
corteja o passado em "Eu Sonhei
que Tu Estavas Tão Linda", mas
se diz "O Tremendão" e manda
avisar: "Vem Quente que Eu Estou Fervendo". No segundo, acena para o samba da antiga ("Não
me Diga Adeus"), faz sucesso com
a pueril "O Caderninho" e não
perde a fama de mau ("Cara Feia
pra Mim É Fome").
Em 68, Tim Maia ("Não Quero
nem Saber") reaparece na vida de
Erasmo, que emenda "Senhor,
Aqui Estou" com "Para o Diabo
os Conselhos de Vocês". No ousado disco de 70, estão claros o
amor pela bossa nova ("Coqueiro
Verde" e "Saudosismo") e as influências dos arranjos e das idéias
tropicalistas. Erasmo foi, é e será
metamorfose ambulante.
De hoje a domingo, o Tremendão faz shows com a Ternurinha
Wanderléa no Centro Cultural
Banco do Brasil-SP, dentro da série "Festa de Arromba-40 Anos".
"Há pessoas que ainda têm preconceito contra a jovem guarda.
Falam bem, mas nas entrelinhas
dão umas farpadas. Eu preferia
que falassem mal", disse ele, sempre "mau" e sincero.
Erasmo Carlos -O Tremendão
Gravadora: Sony BMG
Quanto: R$ 100, em média (6 CDs)
O Tremendão e a Ternurinha
Quando: sex. e sáb, às 19h30; dom., às
18h
Onde: CCBB-SP (r. Álvares Penteado,
112, centro, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quanto: R$ 10
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