São Paulo, sexta-feira, 09 de setembro de 2005

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JOVEM GUARDA

Seis CDs registram os primeiros passos do inquieto Tremendão

Caixa mostra que Erasmo era mais que o amigo do Rei

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Com chapéu de caipira na cabeça e vara de pescar na mão, Erasmo Carlos pega na mentira na capa de seu primeiro disco solo, "A Pescaria": estava nascendo ali, em 1965, juntamente do programa de TV "Jovem Guarda" e do batismo do movimento, um cantor/compositor que nunca se renderia à placidez, mantendo-se fiel ao rock e à inquietação.
Para perceber isso, é fundamental ouvir seus seis primeiros discos, a produção do período RGE (1965-1970) que volta às lojas em caixa lançada pela Sony BMG -com faixas-bônus que só tinham saído em compactos. Há dois anos, a Universal lançou os 15 CDs do período 1971-1988.
"Ela é "o" sonho", empolgou-se Erasmo na coletiva de divulgação da caixa. "Essa caixa carrega todos os anseios de liberdade que os jovens daquela época carregavam. A jovem guarda não foi mais do que o apelido brasileiro de uma revolução mundial, da qual eu me orgulho de ter participado", disse.
As frases pontuadas por "bicho" e a devoção ao rock ("O rock veio para a gente acordar. Senão, estava todo mundo dormindo até hoje") mostram que Erasmo é um resultado das tempestades comportamentais dos anos 60. A caixa ainda prova que ele foi muito mais do que o amigo de fé do Rei.
Enquanto Roberto Carlos atravessou o rock e o soul, e assumiu o trono das baladas românticas e dos hinos messiânicos, Erasmo nunca ficou sentado à beira do caminho do sucesso fácil.
Se Roberto transformou o totem "Quero que Vá Tudo pro Inferno" em tabu, Erasmo transbordava, em 1970, ironia em "Estou Dez Anos Atrasado", supostamente uma parceria com o "irmão camarada": "Eu quero começar de novo/ Não quero acompanhar meu povo/ (...) E só dou meu coração/ Pra quem for da minha religião."
"Essa música se tornou o hino do pessoal do [jornal] "Pasquim". Eles viam como metáfora do que acontecia no país. Mas eu não tinha essa intenção", assumiu Erasmo, avocando para si e os seus, no entanto, um papel político. "Uma guerra não se ganha só no front. Nós, da jovem guarda, lutamos com nossa vontade de sermos livres, embora não se saiba até hoje o que é ser livre."
Liberdade pode ser, por exemplo, amar os Beatles e ameaçar, em nome das conquistas amorosas, acabar com a beatlemania. É o que faz no primeiro disco da caixa, o dos clássicos "Festa de Arromba" e "Minha Fama de Mau". Ou ser erótico ("Você me Acende") e amante à moda antiga ("A Carta") no disco de 66.
No primeiro álbum de 67, ele corteja o passado em "Eu Sonhei que Tu Estavas Tão Linda", mas se diz "O Tremendão" e manda avisar: "Vem Quente que Eu Estou Fervendo". No segundo, acena para o samba da antiga ("Não me Diga Adeus"), faz sucesso com a pueril "O Caderninho" e não perde a fama de mau ("Cara Feia pra Mim É Fome").
Em 68, Tim Maia ("Não Quero nem Saber") reaparece na vida de Erasmo, que emenda "Senhor, Aqui Estou" com "Para o Diabo os Conselhos de Vocês". No ousado disco de 70, estão claros o amor pela bossa nova ("Coqueiro Verde" e "Saudosismo") e as influências dos arranjos e das idéias tropicalistas. Erasmo foi, é e será metamorfose ambulante.
De hoje a domingo, o Tremendão faz shows com a Ternurinha Wanderléa no Centro Cultural Banco do Brasil-SP, dentro da série "Festa de Arromba-40 Anos".
"Há pessoas que ainda têm preconceito contra a jovem guarda. Falam bem, mas nas entrelinhas dão umas farpadas. Eu preferia que falassem mal", disse ele, sempre "mau" e sincero.


Erasmo Carlos -O Tremendão
Gravadora:
Sony BMG
Quanto: R$ 100, em média (6 CDs) O Tremendão e a Ternurinha
Quando: sex. e sáb, às 19h30; dom., às 18h
Onde: CCBB-SP (r. Álvares Penteado, 112, centro, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quanto: R$ 10



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