São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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FERREIRA GULLAR

Apagão na saúde

E, no entanto, a CPMF, criada para atender às despesas com a saúde, arrecada cada dia mais

A CPMF é o pior dos impostos -esta é a opinião unânime dos mais diversos setores da sociedade e, particularmente, entre aqueles que o pagam cada vez que movimentam sua conta no banco.
Esses se contam aos milhões. E, se a totalidade dos cidadãos não se manifesta contra esse imposto pernicioso e injusto, é porque ignora que o paga mesmo quando não possui conta bancária. Todos, sem exceção, o pagam porque as empresas, por ele oneradas, o transferem para o consumidor por meio do aumento de preços das mercadorias e serviços.
A CPMF nasceu como contribuição provisória para custear despesas da saúde pública. A idéia era, com o dinheiro arrecadado, equipar os hospitais, reduzir drasticamente os déficits do setor e, com isso, restabelecer o equilíbrio nessa área fundamental para as camadas mais carentes da população. Atingidos tais objetivos, a CPMF seria extinta. Como se vê, as intenções eram as melhores possíveis. Só que a CPMF, de provisória, se tornou permanente, ainda mais onerosa, e a saúde pública está cada vez pior. Como se explica isso?
A explicação é simples: estamos nas mãos deles. Isto é: os verdadeiros interesses do país, ou seja, a solução efetiva dos problemas que atingem a maioria da população, não conta. O país foi apropriado por uma casta de políticos e empresários corruptos, que só cuidam de seus próprios interesses. Se pudessem se apoderar de toda a riqueza nacional, sem nada conceder aos cidadãos, quem sabe o fariam. Como não dá, porque dependem da opinião pública para serem eleitos e reeleitos, também porque a imprensa atrapalha seus planos, e ainda por cima existe essa tal de democracia, não podem deixar que a situação se agrave a um ponto intolerável.
Por isso, fazem algumas concessões, especialmente se podem usá-las em proveito próprio, apresentando-se como benfeitores do povo. Graças ao baixo nível de conhecimento do que efetivamente ocorre, conseguem convencer parte da população de que trabalham para ela.
O que acontece com a CPMF é prova incontestável disso. E das mais escandalosas. De fato, o povo brasileiro está entre os mais onerados pela carga de impostos que paga. Segundo a opinião autorizada dos economistas, essa carga só é comparável à dos países do chamado Primeiro Mundo, onde a divisão de renda, menos desigual, a torna mais tolerável. Isso sem falar no fato de que, se pagam tanto imposto, dispõem, em contrapartida, de serviços sociais de qualidade. Lá os enfermos não morrem nas filas do SUS, à espera do atendimento médico, que não chega. Noutras palavras, pagamos, com salários baixos, impostos equivalentes aos que eles pagam, com salários altos, e não recebemos quase nada em troca. Um escândalo, que é dado como coisa normal por aqueles que, hipoteticamente, deviam zelar pelo bem-estar da população -nossos legisladores e governantes.
Pois bem, mas, se pagamos tantos impostos e não recebemos em troca os serviços sociais que merecemos, para onde vai o dinheiro? O que é feito dele?
Vejamos o caso da saúde, que vive em verdadeiro apagão há muitos anos. Adoecer sem ter plano de saúde é quase uma condenação à morte no Brasil de hoje. E, no entanto, a CPMF, criada para atender exclusivamente às despesas com a saúde pública, arrecada cada dia mais recursos. Assistimos recentemente ao quase colapso dos serviços médicos em vários Estados do Nordeste, com doentes graves sendo transportados de um Estado para outro a fim de receber atendimento.
Duas mulheres, que necessitavam ser operadas com urgência, morreram sem ser atendidas, porque os médicos estavam em greve. É lamentável que os médicos ajam dessa maneira, mas, se estavam em greve, era porque recebem salários miseráveis e trabalham em condições precárias, enquanto os governos estaduais gastam o que não têm com os seus apaniguados e com pontes que ligam lugar algum a parte nenhuma.
Diante desse quadro, Mantega, pressionado por Temporão, deu um adiantamento. A CPMF, repito, foi criada para financiar os gastos com a saúde pública, mas, dos quase R$ 40 bilhões que o governo arrecada com ela, menos de R$ 16 bilhões são destinados a esse setor.
Posto contra a parede, o ministro da Fazenda alegou que os outros 60% dos bilhões arrecadados são gastos com os programas sociais do governo -programas assistenciais, que constituem hoje o principal lastro eleitoral de Lula e com os quais decidiu gastar mais R$ 5 bilhões ano que vem.
Quando se souber a verdade sobre o Bolsa Família...


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