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FERREIRA GULLAR
Apagão na saúde
E, no entanto, a CPMF, criada para atender às despesas com a saúde, arrecada cada dia mais
A CPMF é o pior dos impostos
-esta é a opinião unânime
dos mais diversos setores da
sociedade e, particularmente, entre
aqueles que o pagam cada vez que
movimentam sua conta no banco.
Esses se contam aos milhões. E, se
a totalidade dos cidadãos não se manifesta contra esse imposto pernicioso e injusto, é porque ignora que
o paga mesmo quando não possui
conta bancária. Todos, sem exceção,
o pagam porque as empresas, por ele
oneradas, o transferem para o consumidor por meio do aumento de
preços das mercadorias e serviços.
A CPMF nasceu como contribuição provisória para custear despesas
da saúde pública. A idéia era, com o
dinheiro arrecadado, equipar os
hospitais, reduzir drasticamente os
déficits do setor e, com isso, restabelecer o equilíbrio nessa área fundamental para as camadas mais carentes da população. Atingidos tais objetivos, a CPMF seria extinta. Como
se vê, as intenções eram as melhores
possíveis. Só que a CPMF, de provisória, se tornou permanente, ainda
mais onerosa, e a saúde pública está
cada vez pior. Como se explica isso?
A explicação é simples: estamos
nas mãos deles. Isto é: os verdadeiros interesses do país, ou seja, a solução efetiva dos problemas que atingem a maioria da população, não
conta. O país foi apropriado por uma
casta de políticos e empresários corruptos, que só cuidam de seus próprios interesses. Se pudessem se
apoderar de toda a riqueza nacional,
sem nada conceder aos cidadãos,
quem sabe o fariam. Como não dá,
porque dependem da opinião pública para serem eleitos e reeleitos,
também porque a imprensa atrapalha seus planos, e ainda por cima
existe essa tal de democracia, não
podem deixar que a situação se agrave a um ponto intolerável.
Por isso, fazem algumas concessões, especialmente se podem usá-las em proveito próprio, apresentando-se como benfeitores do povo.
Graças ao baixo nível de conhecimento do que efetivamente ocorre,
conseguem convencer parte da população de que trabalham para ela.
O que acontece com a CPMF é
prova incontestável disso. E das
mais escandalosas. De fato, o povo
brasileiro está entre os mais onerados pela carga de impostos que paga.
Segundo a opinião autorizada dos
economistas, essa carga só é comparável à dos países do chamado Primeiro Mundo, onde a divisão de
renda, menos desigual, a torna mais
tolerável. Isso sem falar no fato de
que, se pagam tanto imposto, dispõem, em contrapartida, de serviços
sociais de qualidade. Lá os enfermos
não morrem nas filas do SUS, à espera do atendimento médico, que não
chega. Noutras palavras, pagamos,
com salários baixos, impostos equivalentes aos que eles pagam, com salários altos, e não recebemos quase
nada em troca. Um escândalo, que é
dado como coisa normal por aqueles
que, hipoteticamente, deviam zelar
pelo bem-estar da população -nossos legisladores e governantes.
Pois bem, mas, se pagamos tantos
impostos e não recebemos em troca
os serviços sociais que merecemos,
para onde vai o dinheiro? O que é
feito dele?
Vejamos o caso da saúde, que vive
em verdadeiro apagão há muitos
anos. Adoecer sem ter plano de saúde é quase uma condenação à morte
no Brasil de hoje. E, no entanto, a
CPMF, criada para atender exclusivamente às despesas com a saúde
pública, arrecada cada dia mais recursos. Assistimos recentemente ao
quase colapso dos serviços médicos
em vários Estados do Nordeste, com
doentes graves sendo transportados
de um Estado para outro a fim de receber atendimento.
Duas mulheres, que necessitavam
ser operadas com urgência, morreram sem ser atendidas, porque os
médicos estavam em greve. É lamentável que os médicos ajam dessa
maneira, mas, se estavam em greve,
era porque recebem salários miseráveis e trabalham em condições precárias, enquanto os governos estaduais gastam o que não têm com os
seus apaniguados e com pontes que
ligam lugar algum a parte nenhuma.
Diante desse quadro, Mantega,
pressionado por Temporão, deu um
adiantamento. A CPMF, repito, foi
criada para financiar os gastos com a
saúde pública, mas, dos quase R$ 40
bilhões que o governo arrecada com
ela, menos de R$ 16 bilhões são destinados a esse setor.
Posto contra a parede, o ministro
da Fazenda alegou que os outros
60% dos bilhões arrecadados são
gastos com os programas sociais do
governo -programas assistenciais,
que constituem hoje o principal lastro eleitoral de Lula e com os quais
decidiu gastar mais R$ 5 bilhões ano
que vem.
Quando se souber a verdade sobre
o Bolsa Família...
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