São Paulo, quarta, 9 de setembro de 1998

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FESTIVAL DE VENEZA
Morte de Akira Kurosawa ofusca competição

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza

Uma projeção especial de "Madadayo" (1993) estende hoje o adeus de Veneza a Akira Kurosawa, morto no domingo. A história deve registrar este como o festival da despedida. Nenhuma das novidades nas telas aproxima-se do impacto do desaparecimento do último samurai do cinema japonês.
A primeira sessão celebratória encerrou-se na madrugada de ontem. Foi exibida uma cópia histórica de "Rashomon" (1950), a mesma projetada há 47 anos quando o filme conquistou o primeiro Leão de Ouro de Kurosawa.
Os créditos foram atração à parte, confirmando o desconhecimento no Ocidente da equipe do filme. Veneza viu "Rasciomon" e concedeu o Leão de Ouro a "Achira Curosawa", muito graças ao desempenho de "Tosciro Mifune".
O impacto do filme, parábola sobre a verdade, permanece intacto. A coragem dos jurados da época ainda surpreende. Intensamente dialogada, a introdução apresenta sintéticas legendas em italiano. A tradução segue econômica até o final. Fez-se valer o poder visual da elíptica narrativa de "Rashomon".
O ex-presidente da Bienal de Veneza, Gian Luigi Rondi, lembrou nas páginas do "Corriere della Sera" sua participação no júri que premiou "Rashomon". "Lutei por aquele outsider", recorda.
O júri estava dividido, e Rondi convenceu os colegas. "Comoveu-me tanto o tratamento pirandelliano da história quanto o esplendor das imagens." Até o fim da vida, Kurosawa o presentearia com um desenho nas festas de fim de ano.
Kurosawa não estava em Veneza quando da premiação. Não havia sido informado de que "Rashomon" participava do festival. "Em 1950, os produtores haviam me obrigado a cortar uma hora e meia de "O Idiota' e até destruíram os negativos para não ter volta", lembra o cineasta.
"Numa noite, voltei para casa desesperado por aquele massacre, havia mesmo decidido a mudar de profissão, quando minha mulher veio ao meu encontro na sala dizendo: Parabéns pelo prêmio em Veneza."
"Eu não sabia que "Rashomon' tinha sido mandado a um festival do Ocidente", prossegue Kurosawa. Não seria este o único triunfo de Kurosawa por aqui. Em 1954, "Os Sete Samurais" lhe valeu um Leão de Prata, que retirou pessoalmente. Em 1982, foi homenageado por um Leão de Ouro especial pela carreira. "Veneza sempre me trouxe sorte", reconheceu o cineasta. "E uma vez me salvou do desespero."
A sessão hoje de "Madadayo" tem a um só tempo sabor de estréia e de despedida. O último filme realizado por Kurosawa jamais entrou em cartaz nos cinemas italianos (no Brasil, existe mesmo em vídeo).
"Madadayo" trata da relação terna entre jovens japoneses e seu querido professor aposentado. A cada aniversário do mestre, a reunião de alunos recusa-se a dizer adeus: "Ainda não!" (Madadayo!). Com Kurosawa em mente, o grito relançado em Veneza vai ecoar nesta noite pelo mundo inteiro.



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