São Paulo, Quinta-feira, 09 de Setembro de 1999
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LITERATURA
"Trilogia" revela amores do velho Goethe

Reuters - 28.ago.99
Bustos de Goethe em Weimar (Alemanha), um para cada ano desde o seu nascimento, há 250 anos; ele viveu na cidade até a morte (1832)


CYNARA MENEZES
da Reportagem Local


Johann Wolfgang von Goethe assusta até no nome, difícil de pronunciar. Seu "Fausto" é um clássico. Sua obra, considerada fundamental. Sobre ele se escreveu tanto, deu vazão a tantas teorias e interpretações, que parece haver se tornado literatura para poucos.
O poeta e tradutor brasileiro Leonardo Fróes, fã e estudioso de Goethe há mais de 40 anos, quis mostrar a outra face do intelectual no ensaio preparado para "Trilogia da Paixão", livro de poemas do autor alemão nascido há 250 anos, lançado agora no Brasil.
"Há uma geração inteira, mais antiga, que olhava o Goethe como o homem muito sisudo que aparece nos bustos. Eu quis mostrar que o jovem de "Os Sofrimentos do Jovem Werther" continua até a velhice", diz Fróes. Escrevendo em tom jornalístico, sem o rigor da academia, Fróes logra seu intento: despertar a curiosidade sobre a obra de Goethe a partir de seu lado mundano.
Mundaníssimo. No lugar do intelectual que qualquer um imaginaria enfurnado em um gabinete empoeirado, rodeado de livros, ou politicando como o jovem conselheiro privado do grão-duque da província de Weimar, aparece aí um Goethe amante das mulheres, apaixonado e sensual, muitas vezes erótico.
"Sem dúvida as mulheres foram uma influência fundamental em sua obra", diz o tradutor. "Grande parte de seus poemas é inspirado nelas. Era basicamente um poeta do amor."
A própria trama de "Werther" tem sua origem em uma dessas paixões, pela noiva de um amigo. Na maturidade, já com 74 anos, chegaria a pedir a mão de uma jovem de 19 anos, Ulrike von Levetzow, em casamento.
Foi rejeitado, mas a chama da paixão, ainda que irrealizada, acende no velho Goethe a "puberdade repetida", conceito seu que se cruza com o desejo da eterna juventude por Fausto, e lhe enche de energia para o trabalho -escreve então essa "Trilogia" e conclui vários livros, como o "Fausto 2" e sua autobiografia, ao mesmo tempo em que organiza a edição de suas obras completas.
Entre a noiva do amigo e Ulrike haveria muitas outras namoradas, com idades que iam decaindo à medida que o escritor ia envelhecendo. Se casaria com apenas uma delas, Christiane Vulpius, mas após 18 anos de convivência, um escândalo para os padrões da época. Com ela teve cinco filhos, quatro deles mortos na infância.
A história da relação entre a florista Christiane e o escritor é best seller na Alemanha, há vários meses, entre os livros de não-ficção. Não há previsão de lançamento no Brasil, o que é uma pena, como o é também a inexistência da tradução de seu "O Diário", poema porno-satírico em 24 estrofes.
A descrição do poema por Fróes é de dar água na boca até em quem nunca ouviu falar em Goethe. Escrito por volta de 1809, "O Diário" foi conservado inédito pelo escritor em vida e só teve uma primeira edição, limitada, em 1861, 14 anos após sua morte.
Só seria incluído nas obras completas de Goethe em 1910, com o texto adulterado. Para dar uma idéia do que representou na época em que foi escrito, sua primeira tradução para o inglês iria aparecer na revista "Playboy" norte-americana em 68.
Goethe, quem diria, conta no poema a história de um senhor casado e sua malfadada noite de amor com uma jovem camareira durante uma viagem de negócios, prejudicada pelo mau funcionamento, digamos assim, do órgão masculino, a quem o personagem chama de "mestre".
Alguns anos antes, no finalzinho do século 18, publicara anonimamente as "Elegias Romanas", com dois poemas, censurados -provavelmente pelo próprio autor-, dedicados a Priapo, o deus fálico da fertilidade.
Somadas, as duas odes ao pênis, segundo um estudioso de Goethe citado por Leonardo Fróes, poderiam "conter uma antecipação intuitiva das concepções falocêntricas de Freud, que na verdade se interessou a fundo" pela poesia de seu compatriota.
Não parece absurdo, se se levar em conta que, homem à frente de seu tempo amorosamente e intelectualmente, já havia previsto -e incentivado com traduções de autores diversos e a leitura de clássicos orientais- a globalização da literatura, com seu conceito de "Weltliteratur", literatura mundial, agora por toda a parte confirmado.
A "Trilogia da Paixão" se compõe de apenas três poemas delicados e sentimentais, em edição bilíngue: "A Werther", "Elegia (de Marienbad)" e "Reconciliação". Juntos, não chegam a ocupar 20 páginas do livro.
Adicionados ao delicioso ensaio de Leonardo Fróes, de 90 páginas, constituem uma receita infalível para tornar o bicentenário autor alemão bem mais palatável ao leitor brasileiro, transformado pelo livro em faminto por Wolfgang von Goethe -mesmo que seu nome continue a ser um trava-língua entre nós.


Avaliação:     


Livro: Trilogia da Paixão Autor: Johann Wolfgang von Goethe Tradução e ensaio: Leonardo Fróes Lançamento: Rocco Quanto: R$ 20 (128 págs.)

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