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Contra o velho gringo
Mexicano autor de "Gringo Velho" critica presidente americano e o considera indigno de ficção
CARLOS FUENTES LANÇA REUNIÃO DE
ARTIGOS QUE ATACAM DELÍRIOS DE BUSH
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 50 anos cravados de prosa, o
mexicano Carlos Fuentes, 75,
conquistou a reputação de um
dos mestres mundiais do chamado realismo fantástico. Mas não
foi na ficção que o escritor de clássicos como "A Morte de Artemio
Cruz" e "Mudança de Pele" diz ter
encontrado os delírios mais reais.
Foi na política, mais especificamente na política de George W.
Bush, ou, mais especificamente ainda, na política externa de George
W. Bush. A atuação do
presidente lhe impressionou de tal forma que
o escritor resolveu lançar um livro com o título nada discreto de
"Contra Bush", que sai
simultaneamente na
Europa e no Brasil, pela Rocco.
Em conversa com a Folha por
telefone, da Londres onde tem vivido, o Prêmio Cervantes destilou
um pouco de seu elegante veneno.
Leia a seguir trechos da entrevista
com o autor de "Gringo Velho",
em cruzada contra o gringo Bush.
Folha - O sr. escolheu a forma de
artigos para se manifestar contra
Bush. Como a ficção pode ajudar na
atuação política de um escritor?
Carlos Fuentes - A ficção não tem
um efeito político, a não ser indireto. A ficção afeta duas realidades primordiais da sociedade, a
imaginação e a linguagem. A primeira coisa que faz um ditador, é
sabido, é suprimir os escritores.
Matá-los, exilá-los, mandá-los a
campos de concentração. Eles temem outra linguagem e outra
imaginação que não as do poder.
Este é o valor da literatura, um valor de longo prazo.
Por outro lado, os escritores podem optar por uma militância cidadã, que é o que faço aqui. É uma
posição em nada literária.
Folha - O sr. não escreveria uma
ficção contra Bush?
Fuentes - Não seria capaz, ele
não merece o posto de personagem meu. Fazer de alguém um
personagem é dar a este alguém
uma grande honra. Eu nunca a
daria para alguém tão insosso.
Folha - O livro do sr. já foi chamado de uma "Bíblia" contra Bush. De
todos os pecados do presidente,
qual lhe parece o capital?
Fuentes - Sem dúvida é a violação do direito internacional, a
violação do multilateralismo e a
consagração da guerra preventiva. Isso representa um perigo não
apenas para a sociedade americana como para o mundo inteiro.
Folha - Como o sr. explica que
Bush continue na briga pela reeleição nos Estados Unidos?
Fuentes - Ele está forte por desfraldar duas das bandeiras mais
poderosas que existem, as do patriotismo e do medo. Mas mesmo
tendo grandes chances ainda faltam algumas semanas, e semanas
são séculos em termos de eleição.
Reagan, por exemplo, ganhou
uma disputa com Carter que parecia perdida no último debate.
Folha - E qual o palpite do sr.?
Fuentes - Como dizem no baseball, o jogo não termina enquanto
não acaba. É impossível saber hoje quem levará a taça.
Folha - Como uma vitória de
Kerry mudaria a situação dos Estados Unidos e, portanto, do mundo?
Fuentes - Tenho dúvidas. Acho
que ele apelaria por uma maior
presença internacional no Iraque.
Duvido muito que Espanha,
França e Alemanha queiram participar desta operação. A ONU sozinha não conseguiria muito. Estou pessimista. Creio que Bush
disparou uma situação
que ele não pôde controlar e que talvez ninguém
mais possa. Bush perde
se fica e se for embora.
Peter Galbraith, diplomata americano, sugeriu
uma partição balcânica
do Iraque, a divisão em
regiões de sunitas, de xiitas e de curdos. Este é o
cenário mais provável. Só as forças locais dominariam o terror no
Iraque. Os EUA não conseguirão.
Folha - O Iraque será o principal
problema do próximo presidente?
Fuentes - É uma questão pendente fundamental. Seja Bush, seja Kerry o presidente vai ter um
problema bárbaro lá. É o resultado mais palpável da horrível política externa de George W. Bush.
Folha - O sr. fala no livro sobre o
fortalecimento de uma mídia conservadora nos EUA. Qual peso esta
mídia tem e terá nas eleições?
Fuentes - A mídia tem um peso
fundamental na sustentação da
candidatura Bush. Os EUA viram
se consolidar nos últimos anos
um sistema de desinformação,
encabeçado pela rede Fox News.
Jornais como o "New York Times" repensaram seu apoio a
Bush e são muito críticos a sua administração.
Mas o centro do país, o
Meio-Oeste, tem um nível de desinformação
notável. Nesta região é
muito duro estar informado. Cidades grandes
como Kansas City têm
jornais nanicos e sem
notícias internacionais.
A TV aberta também
não dá mais do que dois
minutos para o que se
passa no mundo. Os
EUA são um país de desinformados.
Folha - O sr. faz algumas associações no livro
entre Bush e o Nacional-Socialismo Alemão. O sr.
acha que o texano é comparável a Hitler?
Fuentes - Não comparo Bush a Hitler, faço só
uma série de reflexões
históricas. As grandes
potências sempre tiveram oponentes fortes.
Felipe 2º teve Elizabeth da Inglaterra. Luis 14 teve uma coalização
européia. Bonaparte teve a Inglaterra. Hitler, a Rússia e os EUA.
Stálin enfrentou os EUA. Agora,
pela primeira vez desde o Império
Romano, existe uma potência
global sem oposição. Mas não
acho que possa comparar os EUA
com a Alemanha de Hitler. Os
EUA são um país democrático,
apesar dos esforços de John Ashcroft para aprovar leis fascistas.
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