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"A TRILHA DOS NINHOS DE ARANHA"
Calvino escreveu 1º livro em 20 dias
Desencanto político marca estréia de um jovem idealista
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O primeiro romance e primeiro livro publicado de Italo Calvino, "A Trilha dos Ninhos
de Aranha", pode ser visto atualmente como simples curiosidade
de arqueologia literária.
Afinal, o autor, em 1947, ano da
publicação do livro, estava com 23
anos e muito longe de se tornar
um dos mais importantes escritores de nossos tempos.
De fato, é curioso perceber que
um dos grandes ícones da literatura fantástica do século 20 começou a vida artística com um trabalho tipicamente neo-realista.
E também é engraçado se deparar com traços explícitos de ingenuidade e idealismo no trabalho
de um intelectual que se celebrizou pela extrema sofisticação.
Mas o melhor de tudo é que a
leitura desse na verdade conto
(gênero no qual Calvino se destacaria como mestre) ampliado pode se tornar, em si mesma, um
prazer.
Calvino teve com sua estréia
uma relação típica dos grandes
artistas diante de sua primeira
prole: misto de deslumbramento
ante seu próprio entusiasmo juvenil e insatisfação frente ao resultado final do sincero esforço em
busca do acerto.
Mas aqui também houve um ingrediente a mais, típico da sua geração de intelectuais de esquerda:
o desencanto com as teses do socialismo, que encantaram muitos
dos melhores jovens do período
da Segunda Guerra e imediatamente posterior e depois os desiludiram, quando deturpados pelo
pragmatismo político.
"O mal-estar que por tanto tempo este livro provocou em mim
em parte se atenuou, em parte
permanece: é a relação com alguma coisa maior que eu, com emoções que envolveram todos os
meus contemporâneos, e tragédias, e heroísmos, e ímpetos generosos e geniais, e obscuros dramas de consciência", escreveu
Calvino em 1964 sobre "A Trilha
dos Ninhos de Aranha".
O enredo da obra é de grande
simplicidade e exigiu do jovem
Calvino apenas 20 dias para ser
concluído. Foi o produto das lembranças do autor do período que
passou na Resistência na região
norte da Itália ao final da Segunda
Guerra Mundial.
Um dos heróis é Pin, um garoto
paupérrimo, irmão de uma prostituta que ganhava a vida com
clientes alemães. Pin, por sua vez,
sobrevive emocionalmente primeiro da atenção que adultos lhe
concedem nos bares da pequena
cidade em que vive em troca de
brincadeiras obscenas ou canções
românticas que o rapaz lhes oferece e depois da solidariedade dos
partiginani com quem quase acidentalmente se junta e aos quais
apaixonadamente se entrega.
O outro é Lobo Vermelho, alcunha de um adolescente muito diferente de Pin, celebrado como líder ideológico e militar apesar da
pouca idade. Os dois representam
extremos de uma polaridade comum na época entre os militantes
que se opunham ao nazi-fascismo
e que, principalmente após a invasão soviética da Hungria e mais
tarde da Tchecoslováquia, levaria
a cisões irreparáveis na esquerda
da Europa ocidental.
Calvino, que se filiou ao Partido
Comunista logo depois da guerra,
foi um dos primeiros intelectuais
a deixá-lo, em 1956. Mas já em
1952, ao publicar "O Visconde
Partido ao Meio", seu caminho já
tinha se distanciado definitivamente da ortodoxia castradora
recomendada pelo partido a seus
intelectuais.
A independência artística de
Calvino já podia ser percebida no
seu trabalho inicial. Apesar de se
submeter ao dogmatismo formal
e de ter tentado sinceramente
compor uma ode ao heroísmo revolucionário, Calvino não deixou
de apontar em seus personagens
as contradições humanas que,
quando descritas em toda sua
complexidade, distinguem tão
claramente as obras-primas da
propaganda.
É especialmente enriquecedora
a leitura dos comentários que o
Italo Calvino maduro teceu sobre
sua obra juvenil: "A memória ou
melhor, a experiência, que é a memória mais a ferida que ela lhe
deixou, mais a mudança que produziu em você e que o transformou, a experiência, primeiro alimento da obra literária (mas não
só dela), riqueza verdadeira do escritor (mas não só dele), logo que
deu forma a uma obra literária,
definha, destrói-se. O escritor dá
por si como o mais pobre dos homens".
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
A Trilha dos Ninhos de Aranha
Autor: Italo Calvino
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (192 págs.)
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