São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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TV PAGA

"Cidade de Deus" revela fantasmas da classe média

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A ambigüidade de "Cidade de Deus" (Cinemax, 23h30) procede em parte de sua autenticidade, isto é: de ser um filme cujo ponto de partida é um romance escrito por alguém "do local", representado por meninos que se criaram no mesmo tipo de ambiente em que se desenrolam os fatos.
Com isso, Fernando Meirelles trouxe a nós, os classe média, uma perfeita representação do mundo da favela, dos pobres do Rio. Perfeita eu disse? Perfeita significa aqui algo muito preciso: é a representação da pobreza com a qual nós, espectadores de hoje, nos identificamos, na qual acreditamos. "Eles são assim", comentamos com nossos botões ao fim da sessão. Mas isso não significa que "eles" sejam assim quando vistos, por exemplo, por si mesmos.
Uma parte considerável do cinema brasileiro exprime essa contradição. A miséria e suas decorrências são uma preocupação de espectadores e realizadores -até porque essa miséria vive nos ameaçando com seus maus modos, mas não só por isso: sinceramente, boa parte da população bem de vida gostaria de ver esse tipo de problema resolvido.
Com seu sucesso, "Cidade de Deus" gerou uma série de filhotes, que tratam do mesmo assunto com pertinência maior ou menor, não importa, mas que têm todos essa característica essencial: exprimem as preocupações e representam os fantasmas das classes média e alta (à qual pertencem os artistas) a respeito da população pobre e/ou miserável.
Esses filmes -respeitáveis, talvez, respeitados, certamente- antes de tudo falam de anomalias da sociedade brasileira que se refletem em sua produção artística, como a inexistência de mecanismos democráticos de ascensão social -escola pública, por exemplo, que no Brasil é "escola de pobre" e não de todos. Por essas e outras criamos aqui esse gênero vergonhoso que é o "filme de pobre", ou seja, do pobre visto pelo rico.

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