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TV PAGA
"Cidade de Deus" revela fantasmas da classe média
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A ambigüidade de "Cidade de
Deus" (Cinemax, 23h30) procede
em parte de sua autenticidade, isto é: de ser um filme cujo ponto de
partida é um romance escrito por
alguém "do local", representado
por meninos que se criaram no
mesmo tipo de ambiente em que
se desenrolam os fatos.
Com isso, Fernando Meirelles
trouxe a nós, os classe média, uma
perfeita representação do mundo
da favela, dos pobres do Rio. Perfeita eu disse? Perfeita significa
aqui algo muito preciso: é a representação da pobreza com a qual
nós, espectadores de hoje, nos
identificamos, na qual acreditamos. "Eles são assim", comentamos com nossos botões ao fim da
sessão. Mas isso não significa que
"eles" sejam assim quando vistos,
por exemplo, por si mesmos.
Uma parte considerável do cinema brasileiro exprime essa
contradição. A miséria e suas decorrências são uma preocupação
de espectadores e realizadores
-até porque essa miséria vive
nos ameaçando com seus maus
modos, mas não só por isso: sinceramente, boa parte da população bem de vida gostaria de ver
esse tipo de problema resolvido.
Com seu sucesso, "Cidade de
Deus" gerou uma série de filhotes,
que tratam do mesmo assunto
com pertinência maior ou menor,
não importa, mas que têm todos
essa característica essencial: exprimem as preocupações e representam os fantasmas das classes
média e alta (à qual pertencem os
artistas) a respeito da população
pobre e/ou miserável.
Esses filmes -respeitáveis, talvez, respeitados, certamente-
antes de tudo falam de anomalias
da sociedade brasileira que se refletem em sua produção artística,
como a inexistência de mecanismos democráticos de ascensão
social -escola pública, por
exemplo, que no Brasil é "escola
de pobre" e não de todos. Por essas e outras criamos aqui esse gênero vergonhoso que é o "filme de
pobre", ou seja, do pobre visto pelo rico.
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