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CECILIA GIANNETTI
Calor e paranóia
O Rio dedica-se antecipadamente, e mais paranoicamente, a se preparar para o verão
CONSIDERANDO A constância
do tema no noticiário, pouca
gente botaria fé nisto. Mas o
balneário pipoca com algo além da
multiplicação frenética de DVDs pirata de "Tropa de Elite" e das batalhas reais que inspiraram o filme.
Não tão polêmicas. Menos vibrantes
que uma argumentação oposta ao
retrato pintado pelo cineasta José
Padilha, acontecimentos alheios ao
bangue-bangue. Sutilezas que vêm
progredindo na vida carioca desde
que faz calor no Brasil e o antigo Estado da Guanabara admitiu os trajes
sumários no banho público.
Data da década de 30 o surgimento das primeiras academias que ofereciam musculação a este povo
bronzeado que se apegaria à sua prática como a um vício.
De Norte a Nordeste dois conhecidos reportam preferência por uma
boa rede. Grossos casacos engolfando amigos gaúchos em fotos do Orkut, e o reconhecido talento paulista
para se vestir em camadas sem parecer bolo de casamento me levam a
generalizar: o Rio dedica-se antecipadamente, e mais paranoicamente,
a se preparar para o verão.
As formigas preocupam-se em recolher migalhas que estocam até o
inverno seguinte. E nós -do auge do
inglório "jazz" (aquele com polainas) até as estarrecedoras aulas de
lambaeróbica- temos criado gerações especializadas em desbastar do
corpo, antes da estação quente, todo
o fondue e vinhos estocados em nosso pseudo-inverno de 17ºC.
Meados de outubro, sol firme; começam os testes do biquíni e da sunga, pre-dates em que se chama alguém à praia para checar se vale estender o convite a uma bagunça noturna. Em SP e POA -chuto certo?-, sem os testes, sobra mais tempo a quem deseja se livrar do volume
extra, aquele que não pertence às camadas de roupas.
Aqui, gente menos afeita à disciplina do esporte prefere contar calças de lycra que passam em frente
aos botecos.
Na rua Marquês de Abrantes, no
Flamengo, onde uma verdadeira
fartura de academias está disponível
entre a rua principal e transversais,
é possível fazer um levantamento de
aproximadamente uma dezena de
traseiros em trânsito por minuto,
todos atochados em material sintético. Alguns adeptos da lycra são homens da terceira idade.
Entre os que não abrem mão do
preparo físico para a estação de abate intensivo há duas sub-facções: os
que correm na academia e os que
correm na praia ou em parques. O
primeiro grupo dispara rumo ao nada sobre uma esteira, assistindo a reprises de "The Nanny", o segundo é
formado por almazinhas mais livres,
delicadas. Estas desanimariam ante
o tipo de comentário entreouvido
numa sala de musculação suarenta,
lascado pelo instrutor (algo de Capitão Nascimento nele) em aluna de
fechar o comércio: "Tem quiosque
em Copa em obra que num tá pronto pro verão; a temperatura a menos
de 30ºC num tá pronta pro verão;
você num tá pronta pro verão!".
O exercício mais praticado no pré-verão é a procura de cabelo em ovo.
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