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ARTES PLÁSTICAS
Curador fala das diferenças entre a visão brasileira de antropofagia e a noção européia de canibalismo
Densidade do modernismo orienta Bienal
CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local
A Ilustrada
publica hoje a
segunda parte
da entrevista
realizada com
Paulo Herkenhoff, o curador
da 24ª Bienal,
que parte da discussão do conceito
de antropofagia, que discute aqui o
princípio de densidade, que permeia esta edição do evento, e as diferenças entre canibalismo e antropofagia.
A Bienal é dividida em três segmentos: representações nacionais
(em que cada país escolhe seu artista), mostra "Roteiros" (em que
curadores internacionais dividiram o mundo em sete regiões e selecionaram artistas) e núcleo histórico, com mostras de Van Gogh,
Tarsila, Oiticica, Eva Hesse, Bacon,
Siqueiros, Reverón e outros.
Folha - Você diz que antropofagia não é o tema exclusivo da Bienal, mas que ela se articula sobre
uma idéia de "densidade". Como
seria isso?
Paulo Herkenhoff - Nós partimos
da idéia de espessura do olhar. O
olhar é uma atividade complexa,
que não se resume à marca causada no olho. Tratamos o olhar como
um processo complexo de apreensão e compreensão do mundo e
suas relações. A densidade não seria um tema, mas uma atitude a ser
reclamada na Bienal.
Mas qual densidade podemos
oferecer? Um nível seria o catálogo, que, no meu entendimento, é
onde a reflexão se compartilha.
Ele deve ter textos que agreguem
perspectivas que não estejam na
exposição e que se sejam textos
com novas reflexões.
Da mesma forma que a mostra
não segue o formato de construir
espaços uniformes, como em forminhas de gelo, cada página também recebeu um tratamento que
dá uma dinâmica ao próprio livro.
Folha - E por que partir de antropofagia?
Herkenhoff - Perguntamos qual
seria um momento de densidade
da arte brasileira. Sabemos que o
modernismo alterou a face do país
e dentro dele há um momento de
singularidade que é a antropofagia. Essa me pareceu a questão
adequada e que mobilizaria a Bienal. Eu desejava fazer uma Bienal
que não viesse a confirmar conceitos ou temas já consagrados na história da arte européia ou americana. Eu queria que o ponto de partida fosse a tradição brasileira.
Desde o início, a antropofagia
não é um movimento restrito a
uma expressão, mas já nasce como
literatura e pintura, já nasce aberta
para se articular com outras manifestações da história da arte.
No processo cultural brasileiro, a
antropofagia foi muito mais uma
atitude que partia de determinados parâmetros, como a aceitação
e a incorporação das diferenças
para transformá-las em sua própria linguagem.
Ao mesmo tempo, ela não tinha
uma forma fixa, não era maniqueísta e trazia uma certa perversidade, que exigia do artista um processo de invenção da linguagem
permanente. O modo de ser de Oiticica não é o modo de Glauber, como não é o de Caetano Veloso,
Lygia Clark ou Tunga. Nunca existe uma confirmação, mas existe
sempre um fundo de atitude.
Folha - Você relaciona a antropofagia brasileira com a visão européia de canibalismo, mas se tratam
de dois termos distintos...?
Herkenhoff - A primeira idéia da
curadoria foi não ilustrar um ponto de vista já consagrado ou que
fosse tão amplo que englobasse tudo. Quando você diz que os termos
são diferentes, diz que eles podem
ser definidos como territórios.
Desde o início foi necessário uma
compreensão etimológica das
duas palavras. O canibalismo é
uma corruptela de "caraíba", que
era povo do Caribe muito feroz.
Não se trata de uma relação com a
palavra carne.
Antropofagia significa uma composição entre "antropos", que é
homem, e "fagia", comer. Mas nessa composição do termo já existe
uma incorporação simbólica, já
que antropofagia aí não significa
carne, mas um ser constituído de
corpo e de qualidades psicológicas, morais e culturais.
O canibalismo já foi descrito por
Staden, que é o primeiro sobrevivente a imprimir suas memórias,
ou mesmo Montaige, que entendeu que havia relatividade entre os
valores das diversas sociedades.
Se a Europa entendia o canibalismo como uma prática bárbara, ela
também se compreende como capaz de atos mais bárbaros ainda.
Isso chega até a produção de Yves
Klein. Existe uma reflexão crítica
que acompanha o estarrecimento
da massa frente a esses atos.
Quando as disputas entre católicos e protestantes sobre a eucaristia se acirram na França Antártica,
na baía de Guanabara, isso se trata
do primeiro debate filosófico no
Brasil, colocava em jogo a Eucaristia, que é um rito simbolicamente
canibal, já que se trata de comer a
carne do filho de Deus. Alguns
protestantes foram executados por
isso e são representados como canibais, por seus atos violentos.
Antropofagia e canibalismo são
duas questões diferentes, mas que
trabalham com ambiguidades que
se interpenetram.
A função foi criar óticas em que
se pudesse identificar canibalismo
e antropofagia e perceber diferenças de uma fala à outra, de um espaço ao outro. Vai existir sempre a
fuga de uma idéia que possa enlatar os dois conceitos.
²
Evento: 24ª Bienal de Arte de São Paulo
Onde: Pavilhão da Bienal (av. Pedro Álvares
Cabral, s/nº). Entrada pelos portões 3 e 4 do
parque Ibirapuera
Quando: de terça a sexta, das 9h às 13h
(público escolar, com agendamento pelo tel.
0800-11-1951) e das 13h às 21h (público em
geral). Sábados e domingos, das 10h às 22h
(público em geral)
Quanto: de terça a sexta: R$ 10. Sábados e
domingos: R$ 10 (das 10h às 13h) e R$ 16
(das 13h às 22h). Meia entrada para
estudantes com carteirinha, maiores de 65
anos e comerciários com carteirinha do Sesc
e crianças entre 6 e 12 anos (com os pais ou
responsáveis). Entrada franca para menores
de seis anos
Televendas: os ingressos podem ser
comprados pelo tel. 0800-11-1951, sendo
entregues no local solicitado
Visite a XXIV Bienal de São Paulo
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