São Paulo, sexta, 9 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"As Três irmãs" retrata cotidiano

da Sucursal do Rio

Calça jeans, camiseta branca e uma tiara-cocar xavante feita de penas vermelhas prendendo os cabelos. Vestida dessa maneira, Bia Lessa, 40, acertava os últimos detalhes da montagem de "As Três Irmãs", de Tchecov, numa tradução de José Celso Martinez Corrêa.
A peça entra em cartaz com ensaios abertos ao público a partir de hoje no Rio e estréia oficialmente no dia 14 no Teatro 1 do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil).
O traje de trabalho da diretora remete tanto ao seu estilo contemporâneo de conceber espetáculos, quanto à simplicidade que guia a proposta de interpretação do clássico do teatro russo, que terá em cena Renata Sorrah comemorando 30 anos de carreira.
Com ela, estão Deborah Evelyn, Ana Beatriz Nogueira, Lorena da Silva, Fernando Alves Pinto, Emílio de Mello, Dionísio Neto, alguns nomes de um elenco de 17 atores.
Afetação zero. Ao invés de impostação de voz, tom coloquial e até sussurros. A palavra de ordem de Bia para seus atores é pensar em movimentos cotidianos, como escovar os dentes ou lavar louça.
O espaço utilizado para os ensaios foi um casarão em Santa Teresa, centro do Rio. Nele o elenco usava quartos, banheiros e cozinhas para atingir o grau de intimidade máximo em atos banais do dia-a-dia, necessários para mostrar o conflito entre as três mulheres que desejam sair da província.
Na sua "estréia" em teatro -é a primeira vez que a diretora, que levou para o palco romances como "Viagem para o Centro da Terra", de Júlio Verne e "O Homem sem Qualidades", de Robert Musil, usa um texto teatral- Bia quis buscar, com o cotidiano em cena, a desglamurização do teatro.
"Nesse espetáculo todo mundo ter que ser muito humilde, não dá para ter grandes cenas", diz Bia.
Olga (Renata Sorrah), Macha (Deborah Evelyn) e Irina (Lorena da Silva) são três irmãs que desejam voltar a Moscou fugindo de uma vida provinciana. Conscientes da frustração e da falta de sentido em suas existências, elas apenas sonham com a mudança.
A visita de oficiais russos, amigos de seu falecido pai, é retratada por Tchecov como a desencadeadora dos conflitos.
A crise aumenta quando Natacha (Ana Beatriz Nogueira), noiva de Andrei (o russo Vadin Nikitin), irmão com quem elas dividem a casa, passa a morar com a família, tornando ainda mais distante o sonho da volta à capital.
O primeiro ato se passa de manhã, o segundo à noite, o terceiro de madrugada e o quarto novamente de manhã, mas durante cinco anos. As primeiras mudanças são sutis, mas as marcas do tempo vão se mostrando irreversíveis.
Numa tela à direita legendas surgirão em momentos de sussurros e do uso de outras línguas.
"Aquelas três irmãs absolutamente cultas e poliglotas num lugar tão provinciano para o autor é quase tão desnecessário como ter seis dedos. É a desconexão entre os que as pessoas fazem e o que falam. Por isso fiquei louca por Tchecov. Ele trata ao mesmo tempo da banalidade e de uma riqueza do espírito", diz a diretora.
O cenário de Gringo Cardia, com prateleiras, compartimentos e armários cobrindo todas as três paredes do palco é escalado pelo elenco em alguns momentos.
Os atores, vestidos com o figurino de Kalma Murtinho, andam sobre sete toneladas de raspa de pneu que dão o efeito de uma neve negra.
O médico russo Anton Tchekov (1860-1904) tomou uma sábia decisão ao trocar o bisturi pela pena. Após o sucesso de sua primeira coletânea de contos, ele traçou uma trajetória que o tornou elemento chave na dramaturgia mundial e um mestre do conto russo.
Após a entrada definitiva no universo das letras, Tchekov substituiu o tom jornalístico das crônicas humorísticas por temas e atmosfera mais sérios.
Tchekov fez experiências com o teatro, especialmente com dramas curtos. As quatro grandes peças de sua maturidade - "A Gaivota" (1896), "Tio Vânia" (1897), "As Três Irmãs (1901) e "O Jardim das Cerejeiras" (1904) o transformaram no maior dramaturgo russo.
Seu universo tem seres entediados e decadentes, pateticamente perdidos entre o fim de um tempo e a dúvida do início de outro.
Suas peças giram em torno de desejos e esperanças frustrados. Ao invés do melodrama, fazem uso da suposição, de referências cruzadas e mal entendidos para atingir a tensão dramática.
²
Peça: "As Três Irmãs", de Anton Tchecov Onde: Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil (r. Primeiro de Março, 66, centro, tel. 021/216-0237) Quando: de quarta a domingo, às 19h Quanto: R$ 10 (estudantes R$ 5)


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.