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LITERATURA
Canadense ganha o Booker Prize, mais importante prêmio britânico, e conta à Folha a receita do bom romance
Margaret Atwood é nova dona da Inglaterra
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A fila acabou para Margaret Atwood. Depois de ser finalista outras três vezes, a autora ganhou
anteontem o Booker Prize, o prêmio literário europeu mais importante além do Nobel.
A escritora canadense, de 60
anos, foi premiada por "Blind Assassin" (Assassino Cego), romance ainda sem previsão de publicação no Brasil (leia texto ao lado).
O anúncio do prêmio, que dá
direito a cerca de R$ 60 mil, foi feito na noite de anteontem, em
Londres.
A escritora era a favorita entre
os seis finalistas desta edição do
Booker. O sexteto, que incluía o já
premiado Kazuo Ishiguro, havia
sido selecionado de um universo
de 120 livros inscritos.
Atwood liderava inclusive nas
casas de aposta londrinas. Uma
das mais tradicionais, a Ladbrokes, pagava apenas duas libras para cada uma apostada em Atwood
(o azarão era o pouco conhecido
Brian O'Doherty, cuja vitória chegou a valer 17 vezes a aposta).
Mesmo sendo a "barbada", a escritora dizia que estava pronta para a derrota. "Sou tão educada em
perder este prêmio que tenho vergonha de desperdiçar ansiedade
com isso", disse a autora à Folha,
durante a Feira de Livros de
Frankfurt, em outubro.
Leia a seguir trechos inéditos da
entrevista, na qual a escritora diz
que vir ao Brasil, para ver pássaros, é um de seus grandes sonhos
e fala sobre como o instinto de sobrevivência é uma "obsessão nacional canadense".
Folha - A sra. escreve frequentemente sobre mulheres que passam
por eventos traumáticos, muitas
vezes relacionados ao sexo. Por
que a sra. tem tanta atração por esse tema?
Margaret Atwood - Deixe eu lhe
falar algo sobre o romance, de
modo geral. Ele envolve sempre
personagens e eventos. Eu poderia escrever que acordei, tomei
um belo café, li o jornal, tirei uma
ótima soneca etc. Todos fechariam o livro. Mr. Dostoiévski, mr.
Flaubert, mr. Kafka, todos seguiram a mesma receita. Pessoas e
eventos, muitas vezes eventos desagradáveis. É disso que são feitos
tanto os meus romances quanto
"Moby Dick".
Folha - Mas a sra. usa muito mais
eventos desagradáveis em geral
do que há em "Moby Dick", não?
Atwood - É que a sobrevivência é
uma obsessão nacional canadense. Eu poderia dizer que o Canadá
não é um país ocupado, é um país
dominado. Isso acontece com
muitos países, todos dominados
pelos EUA. Mas o instinto de sobrevivência canadense é bem anterior a essa chamada "nova ordem mundial".
Os primeiros europeus que foram ao Canadá tiveram muita dificuldade de se manter vivos. Lá é
muito frio. A sobrevivência também é cercada por perguntas como: "O país vai continuar unido,
tendo culturas tão diferentes?",
"O país vai virar uma parte dos
EUA?", "O país vai adotar o dólar
americano?".
Folha - A sra. escreve poesia, ficção e ensaios. Como esses gêneros
se relacionam?
Atwood - Tudo isso diz respeito
a palavras, à precisão das palavras, à sua justeza, como dizia
maravilhosamente bem mr. Flaubert. Claro que o ensaio lida com
a razão, o romance com as emoções e a poesia com o senso musical, mas, feitas as contas, tudo é
palavra.
Folha - Em "Vulgo, Grace", seu
penúltimo romance, a sra. usa pela
primeira vez um pano de fundo verídico. O que há de real por trás de
"Blind Assassin"?
Atwood - Todas as locações, os
eventos políticos, os móveis, as
roupas são reais. As pessoas são
fictícias.
Folha - No que a sra. está trabalhando atualmente?
Atwood - Estou editando em livro uma série de conferências que
dei em Cambridge, no ano passado. Não será um livro sobre como
escrever. Não será um livro sobre
minha obra. Será uma obra sobre
o que é escrever e sobre como os
escritores são diferentes de cantores de ópera, atores, pintores e outros artistas. Depois disso, pretendo viajar com meu marido para
algum lugar que tenha belos pássaros. Nós adoramos olhar as
aves?
Folha - A sra. conhece os pássaros
brasileiros?
Atwood - Sei que vocês têm aves
lindas. Sempre sonho em viajar
para a Amazônia. Uma das minhas editoras na Inglaterra tem
até um apartamento no Brasil.
Em breve nos vemos por aí. É
uma questão de tempo.
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