São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2000

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LITERATURA
Canadense ganha o Booker Prize, mais importante prêmio britânico, e conta à Folha a receita do bom romance
Margaret Atwood é nova dona da Inglaterra

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A fila acabou para Margaret Atwood. Depois de ser finalista outras três vezes, a autora ganhou anteontem o Booker Prize, o prêmio literário europeu mais importante além do Nobel.
A escritora canadense, de 60 anos, foi premiada por "Blind Assassin" (Assassino Cego), romance ainda sem previsão de publicação no Brasil (leia texto ao lado).
O anúncio do prêmio, que dá direito a cerca de R$ 60 mil, foi feito na noite de anteontem, em Londres.
A escritora era a favorita entre os seis finalistas desta edição do Booker. O sexteto, que incluía o já premiado Kazuo Ishiguro, havia sido selecionado de um universo de 120 livros inscritos.
Atwood liderava inclusive nas casas de aposta londrinas. Uma das mais tradicionais, a Ladbrokes, pagava apenas duas libras para cada uma apostada em Atwood (o azarão era o pouco conhecido Brian O'Doherty, cuja vitória chegou a valer 17 vezes a aposta).
Mesmo sendo a "barbada", a escritora dizia que estava pronta para a derrota. "Sou tão educada em perder este prêmio que tenho vergonha de desperdiçar ansiedade com isso", disse a autora à Folha, durante a Feira de Livros de Frankfurt, em outubro.
Leia a seguir trechos inéditos da entrevista, na qual a escritora diz que vir ao Brasil, para ver pássaros, é um de seus grandes sonhos e fala sobre como o instinto de sobrevivência é uma "obsessão nacional canadense".

Folha - A sra. escreve frequentemente sobre mulheres que passam por eventos traumáticos, muitas vezes relacionados ao sexo. Por que a sra. tem tanta atração por esse tema?
Margaret Atwood -
Deixe eu lhe falar algo sobre o romance, de modo geral. Ele envolve sempre personagens e eventos. Eu poderia escrever que acordei, tomei um belo café, li o jornal, tirei uma ótima soneca etc. Todos fechariam o livro. Mr. Dostoiévski, mr. Flaubert, mr. Kafka, todos seguiram a mesma receita. Pessoas e eventos, muitas vezes eventos desagradáveis. É disso que são feitos tanto os meus romances quanto "Moby Dick".

Folha - Mas a sra. usa muito mais eventos desagradáveis em geral do que há em "Moby Dick", não?
Atwood -
É que a sobrevivência é uma obsessão nacional canadense. Eu poderia dizer que o Canadá não é um país ocupado, é um país dominado. Isso acontece com muitos países, todos dominados pelos EUA. Mas o instinto de sobrevivência canadense é bem anterior a essa chamada "nova ordem mundial".
Os primeiros europeus que foram ao Canadá tiveram muita dificuldade de se manter vivos. Lá é muito frio. A sobrevivência também é cercada por perguntas como: "O país vai continuar unido, tendo culturas tão diferentes?", "O país vai virar uma parte dos EUA?", "O país vai adotar o dólar americano?".

Folha - A sra. escreve poesia, ficção e ensaios. Como esses gêneros se relacionam?
Atwood -
Tudo isso diz respeito a palavras, à precisão das palavras, à sua justeza, como dizia maravilhosamente bem mr. Flaubert. Claro que o ensaio lida com a razão, o romance com as emoções e a poesia com o senso musical, mas, feitas as contas, tudo é palavra.

Folha - Em "Vulgo, Grace", seu penúltimo romance, a sra. usa pela primeira vez um pano de fundo verídico. O que há de real por trás de "Blind Assassin"?
Atwood -
Todas as locações, os eventos políticos, os móveis, as roupas são reais. As pessoas são fictícias.

Folha - No que a sra. está trabalhando atualmente?
Atwood -
Estou editando em livro uma série de conferências que dei em Cambridge, no ano passado. Não será um livro sobre como escrever. Não será um livro sobre minha obra. Será uma obra sobre o que é escrever e sobre como os escritores são diferentes de cantores de ópera, atores, pintores e outros artistas. Depois disso, pretendo viajar com meu marido para algum lugar que tenha belos pássaros. Nós adoramos olhar as aves?

Folha - A sra. conhece os pássaros brasileiros?
Atwood -
Sei que vocês têm aves lindas. Sempre sonho em viajar para a Amazônia. Uma das minhas editoras na Inglaterra tem até um apartamento no Brasil. Em breve nos vemos por aí. É uma questão de tempo.



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