São Paulo, sexta-feira, 09 de novembro de 2001

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CRÍTICA

Filme concilia colonizador e colonizado em ritmo de clipe

DA SUCURSAL DO RIO

O diretor Guel Arraes fez uma comédia veloz e barulhenta. Perto do rojão de "Caramuru - A Invenção do Brasil", os Trapalhões são biribinhas. A narrativa parece correr a cem quadros por segundo.
Estrambóticos, os cortes soltam faíscas. Os enquadramentos pirotécnicos assustam. Tentando acompanhar o torvelinho do busca-pé, o espectador não tem tempo para rir.
Se fosse o caso de rir. Esse "Caramuru" deu chabu. Não se ri de um videoclipe. Ainda mais do contra-senso que é um videoclipe em longa-metragem.
Também não ajuda que a rapidez das imagens, que na televisão brasileira passa por supra-sumo da estética contemporânea, embale a ignorância do anacronismo: recita-se "Os Lusíadas" numa época em que Camões não havia nascido.
O filme conta a história do navegador português Diogo Alvarez Corrêa, que teria naufragado na costa baiana em 1510 e casado com Paraguaçu, filha de um cacique tupinambá. A lenda sobre o colonizador foi codificada pela primeira vez no poema épico "Caramuru", escrito no final do século 18 por Frei José de Santa Rita Durão.

"Filho do Trovão"
Alvarez Corrêa recebeu o apelido de Caramuru, que Santa Rita Durão traduz para "Filho do Trovão", por ter disparado um arcabuz.
Guel Arraes, que tem horror a conflitos, faz com que ele nem saiba atirar. O colonizador dá um tiro a esmo e é imediatamente adotado pelos tupinambás.
O cacique Itaparica (Tonico Pereira) cede suas filhas Paraguaçu e Moema (Camila Pitanga e Deborah Secco) a Caramuru (Selton Mello). O português fica com ambas. Católico, se vexa um pouco com o triângulo. Ao voltar para a Europa, abandona as duas.
Paraguaçu e Moema nadam atrás de seu navio. A primeira consegue embarcar e o acompanha na viagem. Já Moema se cansa e fica na América portuguesa. Seu único protesto é fazer um beicinho amuado.
Santa Rita Durão, que exalta o colonizador português com a mesma devoção de Guel Arraes, ao menos escancara o conflito: no seu poema, Moema morre afogada no mar, xingando Paraguaçu de "indigna, infame, traidora, néscia, vil e feia".

Caricaturas ambulantes
Caramuru se casa em Portugal com Paraguaçu, que é rebatizada com o nome de Catarina. O casal passa uma rasteira na antiga amante de Alvarez Correa, Isabel (Débora Bloch), retorna à América e retoma o triângulo amoroso em nova clave, civilizada: Paraguaçu é a mulher, e Moema, a amante oficial de Caramuru. Vivem felizes para sempre.
A celeridade descerebrada reduz o elenco ao lastimável papel de caricaturas ambulantes. As exceções são Tonico Pereira e Débora Bloch. Quando lhes é concedido mais de cinco segundos em cena, conseguem transmitir alguma comicidade.
"Caramuru" seria apenas uma comediazinha tola, mercadoria da televisão recauchutada para o cinema com o intuito de explorá-la até o bagaço, não fosse pela pretensão do subtítulo: "A Invenção do Brasil", nada menos.
Um Brasil de tropicalismo isento de conotação crítica, no qual a conciliação entre colonizadores e colonizados é comemorada e erigida em paradigma.
(MARIO SERGIO CONTI)


Caramuru - A Invenção do Brasil
 

Direção: Guel Arraes
Produção: Brasil, 2001 Com: Selton Mello, Camila Pitanga, Tonico Pereira, Deborah Secco e Débora Bloch
Quando: a partir de hoje nos cines Center Norte, Eldorado, Morumbi, Unibanco Arteplex, Market Place Cinemark, Metrô Tatuapé, Cinearte e circuito




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