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CRÍTICA
Filme concilia colonizador e
colonizado em ritmo de clipe
DA SUCURSAL DO RIO
O diretor Guel Arraes fez
uma comédia veloz e barulhenta. Perto do rojão de "Caramuru - A Invenção do Brasil", os
Trapalhões são biribinhas. A narrativa parece correr a cem quadros por segundo.
Estrambóticos, os cortes soltam
faíscas. Os enquadramentos pirotécnicos assustam. Tentando
acompanhar o torvelinho do busca-pé, o espectador não tem tempo para rir.
Se fosse o caso de rir. Esse "Caramuru" deu chabu. Não se ri de
um videoclipe. Ainda mais do
contra-senso que é um videoclipe
em longa-metragem.
Também não ajuda que a rapidez das imagens, que na televisão
brasileira passa por supra-sumo
da estética contemporânea, embale a ignorância do anacronismo: recita-se "Os Lusíadas" numa
época em que Camões não havia
nascido.
O filme conta a história do navegador português Diogo Alvarez
Corrêa, que teria naufragado na
costa baiana em 1510 e casado
com Paraguaçu, filha de um cacique tupinambá. A lenda sobre o
colonizador foi codificada pela
primeira vez no poema épico "Caramuru", escrito no final do século 18 por Frei José de Santa Rita
Durão.
"Filho do Trovão"
Alvarez Corrêa recebeu o apelido de Caramuru, que Santa Rita
Durão traduz para "Filho do Trovão", por ter disparado um arcabuz.
Guel Arraes, que tem horror a
conflitos, faz com que ele nem saiba atirar. O colonizador dá um tiro a esmo e é imediatamente adotado pelos tupinambás.
O cacique Itaparica (Tonico Pereira) cede suas filhas Paraguaçu e
Moema (Camila Pitanga e Deborah Secco) a Caramuru (Selton
Mello). O português fica com ambas. Católico, se vexa um pouco
com o triângulo. Ao voltar para a
Europa, abandona as duas.
Paraguaçu e Moema nadam
atrás de seu navio. A primeira
consegue embarcar e o acompanha na viagem. Já Moema se cansa e fica na América portuguesa.
Seu único protesto é fazer um beicinho amuado.
Santa Rita Durão, que exalta o
colonizador português com a
mesma devoção de Guel Arraes,
ao menos escancara o conflito: no
seu poema, Moema morre afogada no mar, xingando Paraguaçu
de "indigna, infame, traidora,
néscia, vil e feia".
Caricaturas ambulantes
Caramuru se casa em Portugal
com Paraguaçu, que é rebatizada
com o nome de Catarina. O casal
passa uma rasteira na antiga
amante de Alvarez Correa, Isabel
(Débora Bloch), retorna à América e retoma o triângulo amoroso
em nova clave, civilizada: Paraguaçu é a mulher, e Moema, a
amante oficial de Caramuru. Vivem felizes para sempre.
A celeridade descerebrada reduz o elenco ao lastimável papel
de caricaturas ambulantes. As exceções são Tonico Pereira e Débora Bloch. Quando lhes é concedido mais de cinco segundos em cena, conseguem transmitir alguma
comicidade.
"Caramuru" seria apenas uma
comediazinha tola, mercadoria
da televisão recauchutada para o
cinema com o intuito de explorá-la até o bagaço, não fosse pela pretensão do subtítulo: "A Invenção
do Brasil", nada menos.
Um Brasil de tropicalismo isento de conotação crítica, no qual a
conciliação entre colonizadores e
colonizados é comemorada e erigida em paradigma.
(MARIO SERGIO CONTI)
Caramuru - A Invenção do Brasil
Direção: Guel Arraes
Produção: Brasil, 2001
Com: Selton Mello, Camila Pitanga,
Tonico Pereira, Deborah Secco e Débora
Bloch
Quando: a partir de hoje nos cines
Center Norte, Eldorado, Morumbi,
Unibanco Arteplex, Market Place
Cinemark, Metrô Tatuapé, Cinearte e
circuito
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