São Paulo, sexta-feira, 09 de novembro de 2001

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DISCOS/LANÇAMENTOS

Quando ele não era invencível

Michael Jackson reedita discos solo e com o Jackson 5 para vitaminar o lançamento do novo "Invincible"

DA REPORTAGEM LOCAL

Michael Jackson , 43, mito endividado e megalomaníaco, precisa vender muitos exemplares de "Invincible". Para fechar o cerco, resguardou o lançamento deste seu novo CD com capangas da pesada -se "Invincible" não corresponder às expectativas, alguém terá de fazê-lo.
Por isso, um pouco antes de "Invincible" nascer a Motown internacional liberou uma minicoleção de três CDs que agrupa, dois a dois, seis álbuns de seu grupo de origem e de família, Jackson 5 (a Universal promete lançar no Brasil, mas só no ano que vem).
Agora, poucos dias após o novo rebento, chegam (também ao Brasil, pela Sony) as reedições de luxo -cheias de bônus obscuros e falatórios- das quatro peças mais importantes de sua carreira solo. A ofensiva parece funcionar: "Invincible" já ocupa o topo das paradas inglesas e americanas.
O pacote Jackson 5 corresponde à segunda fase do grupo, após o apadrinhamento por Diana Ross (então líder das sensacionais Supremes), a estréia em disco quando Michael tinha 11 anos e a explosão de sucesso comercial.
Começa com o colorido "Goin" Back to Indiana" (71), trilha bocó de TV, e "Lookin" through the Windows" (72), que segue o mote de funk e soul adocicados dos três primeiros álbuns do quinteto.
O segundo volume reúne "Skywriter" e "Get It Together" (73) -os Jackson 5 entravam em fase "black power", "black is beautiful", de resultados extraordinários. Com "Dancing Machine" (74) e "Moving Violation" (75), o terceiro CD oscila entre acomodação e ocaso da fórmula.
Ficam dali uma sacola de grandes funks e as fortes imagens do garotinho black power, que mesmo caçulinha era a maior voz e o furacão corporal do grupo. E fica o contraste chocante do menino negro que virou objeto ambíguo, branco e plastificado de adoração.
Se pequeno Michael já fazia LPs solo, só em 79, com 21 anos e bigodinho nascente, começaria a almejar o estrelato solitário, entregando ao produtor Quincy Jones o futuro de "Off the Wall" e de uma promissora nova história.
"Off the Wall" é, o tempo todo, um disco sobre sexo. Inventando um imaginário de falsetes, gritinhos e gemidos, molhava "Don't Stop "til You Get Enough" com declarações de "chegue perto do meu corpo agora", "continue forte/ não pare até se saciar". A canção-título falava sobre viver do lado de fora do muro, sobre "esconder suas inibições", sobre como "viver maluco é o único jeito".
E então a faixa-título de "Thriller" (82) tornava Michael breve cantor de terror perseguido por "uma coisa de 40 olhos" e, então, o maior vendedor de discos do planeta. Mas algo estranho já acontecia com o rapaz e se realizava na figura de Billy Jean, uma mulher "mentirosa" que aparecia de leve no funk quebra-barraco "Wanna Be Startin" Somethin" ".
Entre petardos como "Beat It", "The Girl Is Mine" e "Human Nature", chegava à "Billy Jean" propriamente dita, e ela era garota malvada exigindo que o narrador assumisse sua criança. "O garoto não é meu filho", ele gritava.
"Bad", cinco anos mais tarde, teria a missão de afogar a síndrome do megassucesso de "Thriller". E, surpresa, Michael aparecia na capa de nariz fino, branco, mas querendo parecer a mulata Diana Ross, para escândalo da platéia. No disco, ele (ela?) se proclamava mau, encarnava um demônio veloz ("Speed Demon", substituindo sexo por bravata automobilística), xingava uma certa Diana suja ("Dirty Diana").
Em "Man in the Mirror" nascia sua face culpada, de um agente social que precisava se lembrar das "crianças na rua sem ter o que comer" e se desculpava "vítima de um tipo egoísta de amor".
A ciranda de incompreensão -de fora e auto-imposta- oprimia o homem mais famoso da Terra, e "Dangerous" (91) é o testemunho malcompreendido de seu inferno interior. Perigoso, era como se declarava então o cara que declararia portar vitiligo, teria filhos com uma enfermeira e seria acusado de molestar crianças.
"Não importa se você é negro ou branco", cantava em "Black or White", como se conversasse com o Michael pequenino, negro e degolado precocemente (e a faixa "Gone Too Soon" chorava: "Morreu cedo demais").
O pandemônio era bem maior: "Sou condicionado pelo sistema" ("Jam"); "dizem que sou diferente/ não entendem/ mas há um problema muito maior", "parem de me molestar" ("Why You Wanna Trip on Me", que cita "doenças estranhas que médicos não sabem curar"); "me perdoarão?", "sou o morto" ("Who Is It", volta subliminar de Billy Jean)...
A face "We Are the World", demagógica, dava ares de autopiedade a um homem que antes só queria a dança e o funk. Paradoxalmente, fora dos hinos épicos para cantar de mãos dadas a música continuava muito negra.
Michael continuava a se autoconstruir, não para parecer branco ou preto, homem ou mulher, senhor ou escravo -as cirurgias plásticas aperfeiçoavam seu aspecto fetal, mais que o resto.
Mais seis anos, e ele agora era "intocável", "inquebrável" ("Unbreakable"). Adiante, uma figura apelidada "ela" era xingada porque partia corações ("Heartbreaker"), porque era invencível. É cedo para interpretar "Invincible", mas talvez o segredo estivesse em "Speechless": a maior e mais trágica figura pop do século 20 chegava ao 21 sem fala, palavras, discurso. Mas o conto de fadas macabras seguia, ainda emocionante.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Jackson 5     
Grupo: Jackson 5
Lançamento: Motown/Universal Quanto: R$ 52, em média, cada CD importado (três títulos) Onde encomendar: Bizarre (tel. 0/xx/ 11/220-7933)



Special Edition     
Artista: Michael Jackson
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 25, em média, cada CD (quatro títulos)




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