São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"A MALDIÇÃO DO MACHO"

Em romance, escritor de destaque da nova geração de autores aborda a urgência do sexo

Oliveira narra a cegueira do desejo masculino

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

"A Maldição do Macho", título do novo romance do escritor paulista Nelson de Oliveira, parece ter saído de um filme pornô. Há um fiapo de trama, um protagonista macho, mulheres variadas, orgias, cenários kitsch e uma certa ousadia técnica urdida na parcimônia intencional dos recursos romanescos.
Rodrigo, o protagonista, é um ser movido pela urgência do sexo. Fugiu de casa aos 11 anos, morou 22 em Londres, onde virou pintor: com a idade de Cristo é chamado de volta a Ouro Preto, para o enterro da tia que o criou. Em sua bagagem, três gravuras eróticas roubadas, supostamente valiosas.
Diz ele: "Duas cópulas por semana. (...) Às vezes muito mais. Necessitamos da carne feminina, caso contrário enlouquecemos. Esta, a maldição do macho". E logo abaixo: "O pau, ponte para o paraíso. Nós que o trazemos entre as pernas não conseguimos raciocinar direito sem a ajuda dele".
A maldição não se refere à necessidade do sexo, mas ao fato de o desejo embotar a razão. Rodrigo crê possuir as mulheres, mas, no fim, se vê possuído por elas. De caçador a caça: sua condição de copulador o impede de enxergar a realidade que inopinadamente lhe rege os passos e o emascula.
Sugere-se a afiliação da obra a uma certa vertente erótica atual da literatura brasileira, de Dalton Trevisan a João Ubaldo Ribeiro. Confrontemo-la com uma das autoras citadas, Hilda Hilst. Crasso, de "Contos d'Escárnio", e Tiu e Karl, de "Cartas de um Sedutor", têm mais densidade, humor e ressonância poética, sendo postos em perspectiva, ironizando e sendo ironizados a cada instante.
Há menos trama nesses romances de Hilst, talvez trama nenhuma. A estrutura dramática é rudimentar: mas como seus personagens aspiram a profundidades tão mais sombrias, como se germanam organicamente com uma tradição que vem de Rabelais e Sade, transformando-a!
Oliveira fica a um passo desse ideal. Pode ser covardia compará-lo à possivelmente maior escritora brasileira viva, mas Oliveira tem méritos. É um fino prosador, dos melhores da nova geração, como atestam suas ficções. Esperávamos mais dele, neste romance. Continuamos à espera.

A Maldição do Macho


  
Autor: Nelson de Oliveira
Editora: Record
Quanto: R$ 25 (226 págs.)




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