São Paulo, terça-feira, 09 de novembro de 2004

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EXPOSIÇÃO

Carlos da Fonseca reúne fotos e cartas de descendentes de escravos alforriados em Brasília

Cartas D'África conta história pós-Lei Áurea

ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na era do e-mail, cartas trocadas entre dois continentes podem contar parte da história brasileira pós-Lei Áurea. A exposição Cartas D'África, do historiador, fotógrafo e diplomata brasileiro Carlos da Fonseca, 40, que abre hoje ao público, em Brasília, mostra fotos e cartas de descendentes dos escravos alforriados brasileiros que retornaram à África. São famílias que, apesar de viverem em Benin, no Togo, em Gana ou na Nigéria, ainda carregam sobrenomes como Rocha, Martins, Cruz ou Monteiro.
A exposição revela as duas pontas de uma história comum. É o caso de Maria Angélica da Rocha, 64, em Lagos (Nigéria), que leva a foto da prima distante Maria Augusta, de Salvador, na Bahia. No instantâneo seguinte, Maria Augusta mostra a foto de Maria Angélica. Ao lado das duas fotos, a história do provável parente comum: Francisco Félix de Souza, mulato baiano que voltou ao Benin por volta de 1800.
Outra parte da exposição mostra descendentes na África que procuram seus familiares no Brasil. As fotos mostram suas cartas e a esperança de reencontrá-los. Segundo Fonseca, os visitantes serão estimulados a escrever cartas aos irmãos -de sangue ou não- nos países africanos.
As estimativas são de que menos de 10 mil escravos libertos retornaram à África no decorrer do século 19. Os principais motivos foram a estagnação econômica, medo de represálias ou de serem reescravisados.
O interesse de historiador pelo destino dos alforriados que voltaram para a África, as habilidades de fotógrafo e o gosto de diplomata em unir o Brasil a outros países levaram Fonseca a produzir um material visual rico e inédito sobre os laços entre Brasil e África.
Fonseca iniciou o trabalho em 2000, com o objetivo de reviver a trajetória dos "retornados". Desde lá, já entrevistou 50 famílias. Fonseca sabia que existiam na África elementos da cultura aprendida no Brasil. Mesmo assim, foi surpreendido com os vínculos culturais ainda existentes.
A influência de ex-escravos pedreiros e carpinteiros influenciou a arquitetura, com a construção de bairros brasileiros que resistem até hoje. Em Gana, há a chamada comunidade Tabom - nome que deve ter vindo da expressão "tá bom". Em Benin, a festa de Nosso Senhor do Bonfim é comemorada no terceiro domingo de janeiro com missa e variações do "Bumba meu Boi".
Cartas D'África faz parte da terceira edição da Jornada África-Brasil, que segue até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A abertura oficial da jornada será hoje, às 11h, na Câmara dos Deputados.
Entre as principais atrações deste ano estão a exposição "Deslocamentos", da artista Marie Ange Bordas, sobre um trabalho de três anos com refugiados africanos vivendo na África do Sul, Quênia e França. A exposição multimídia, com fotos, vídeos e trilhas sonoras, abre hoje e segue até 18 de novembro na galeria Athos Bulcão do Teatro Nacional.
O fotógrafo Januário Garcia apresenta, a partir de quarta-feira, no Conjunto Cultural da Caixa, a exposição Netos e Bisnetos de Escravos, com 50 fotos que mostram o cotidiano dos negros no Brasil.
A jornada terá ainda exposições dos fotógrafos moçambicanos, filmes do diretor senegalês Ousmane Sembene, shows e oficinas.


EXPOSIÇÃO CARTAS D" ÁFRICA. de Carlos da Fonseca. Quando: até 19/11, das 9h às 18h. Onde: Anexo 2 da Câmara dos Deputados, em Brasília.


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