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TV/CRÍTICA
Pastos de "América" dão lugar ao glamour de "Belíssima"
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA
No meio do penúltimo capítulo de "América", o rapazinho gay finalmente encarou a
mãe e gritou: "Não quero ser
boiadeiro. Não gosto de boi, de fazenda. Eu gosto de cidade. É isso
que eu vou ser: estilista!".
A frase foi mais que um simples
desabafo pessoal. A modorra do
folhetim de Glória Peres chegava
ao seu limite, e a fúria verbal do
pobre gay soou como um apelo
subconsciente dos próprios autores, quem sabe um grito sistêmico
da própria Rede Globo -que certamente ecoou na cabeça dos espectadores, já fartos de tanta caipirada.
Basta de espiritualismo bovino,
de pagodismo cordial, de humanismo country e kitsch! Basta
com Murilo Benício e seus flertes
edipianos lançados ao touro Bandido. Basta com Deborah Secco
na sua eterna prisão americana
(ela deve ter passado meia novela
atrás das grades: deveria processar a autora).
Queremos gente chique e glamourosa, o mundo da moda e do
dinheiro, champanhe, nisseis,
punks, multiculturalismo, suburbanas gostosas, deboche moderno, cosmopolitismo, vida urbana
e agitada! Chega de ver pastos patéticos e Miamis mambembes!
Queremos São Paulo! E "Belíssima" estreou.
É assim a dialética, ops, o vai-e-vem das telenovelas. Termina a
patriarcal e agrária "Terra Nostra" e começa a matriarcal e carioca "Laços de Família". Expira a
nativa e umbandista "Porto dos
Milagres" e inicia a exótica e
orientalista "Clone". Acaba a narcisista e uterina "Senhora do Destino" e entra a comunitária e populista "América". Tudo funciona
de tal maneira que o espectador
tem a sensação de que verá algo
novo.
E "Belíssima" estreou, com um
bombástico desfile de modelos de
calcinhas e sutiãs espalhadas por
toda a São Paulo. Já estamos no
coração da novela: o mundo "fashion", do espetáculo, do marketing e da imagem.
A câmera, em helicópteros vertiginosos, sobrevoa a avenida
Paulista, o Minhocão. É quase
uma apologia a São Paulo e ao
cosmopolitismo, para começar,
entremeada com imagens melosas de uma ilha grega -por que
cargas d'água a Grécia, o berço da
democracia?
Desfile
Os personagens de Sílvio de
Abreu vão surgindo, bem delineados. Cláudia Raia, deliciosa, acerta a mão logo nas primeiras cenas
-a comédia (à italiana) é seu
ponto forte, mais que o drama.
Misteriosa, Cláudia Abreu segura
as pontas na Grécia, ao lado do raso Henri Castelli. De volta a São
Paulo, Reynaldo Giannechini exibe os músculos e uma considerável evolução como ator. E, surpresa, o ótimo Cacá Carvalho ressuscita seu carismático Jamanta
(criado em "Torre de Babel", em
1998).
De repente, surge a firme e forte
Fernanda Montenegro, fazendo
uma belicosa empresária da moda, e com ares de Odete Roitman
(de "Vale Tudo", novela de 1988),
exclama para a conciliadora Gloria Pires: "A ética já acabou há
muito tempo neste planeta. Só os
ingênuos acreditam nas grandes
causas".
Prepare-se: "Belíssima" será a
contrapartida telenovelesca do escândalo do "mensalão", do fim do
sonho petista, do fracasso dos pobres e do novo revanchismo que
se espalhou de repente por todo o
Brasil.
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