São Paulo, quarta-feira, 09 de novembro de 2005

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TV/CRÍTICA

Pastos de "América" dão lugar ao glamour de "Belíssima"

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

No meio do penúltimo capítulo de "América", o rapazinho gay finalmente encarou a mãe e gritou: "Não quero ser boiadeiro. Não gosto de boi, de fazenda. Eu gosto de cidade. É isso que eu vou ser: estilista!".
A frase foi mais que um simples desabafo pessoal. A modorra do folhetim de Glória Peres chegava ao seu limite, e a fúria verbal do pobre gay soou como um apelo subconsciente dos próprios autores, quem sabe um grito sistêmico da própria Rede Globo -que certamente ecoou na cabeça dos espectadores, já fartos de tanta caipirada.
Basta de espiritualismo bovino, de pagodismo cordial, de humanismo country e kitsch! Basta com Murilo Benício e seus flertes edipianos lançados ao touro Bandido. Basta com Deborah Secco na sua eterna prisão americana (ela deve ter passado meia novela atrás das grades: deveria processar a autora).
Queremos gente chique e glamourosa, o mundo da moda e do dinheiro, champanhe, nisseis, punks, multiculturalismo, suburbanas gostosas, deboche moderno, cosmopolitismo, vida urbana e agitada! Chega de ver pastos patéticos e Miamis mambembes! Queremos São Paulo! E "Belíssima" estreou.
É assim a dialética, ops, o vai-e-vem das telenovelas. Termina a patriarcal e agrária "Terra Nostra" e começa a matriarcal e carioca "Laços de Família". Expira a nativa e umbandista "Porto dos Milagres" e inicia a exótica e orientalista "Clone". Acaba a narcisista e uterina "Senhora do Destino" e entra a comunitária e populista "América". Tudo funciona de tal maneira que o espectador tem a sensação de que verá algo novo.
E "Belíssima" estreou, com um bombástico desfile de modelos de calcinhas e sutiãs espalhadas por toda a São Paulo. Já estamos no coração da novela: o mundo "fashion", do espetáculo, do marketing e da imagem.
A câmera, em helicópteros vertiginosos, sobrevoa a avenida Paulista, o Minhocão. É quase uma apologia a São Paulo e ao cosmopolitismo, para começar, entremeada com imagens melosas de uma ilha grega -por que cargas d'água a Grécia, o berço da democracia?

Desfile
Os personagens de Sílvio de Abreu vão surgindo, bem delineados. Cláudia Raia, deliciosa, acerta a mão logo nas primeiras cenas -a comédia (à italiana) é seu ponto forte, mais que o drama. Misteriosa, Cláudia Abreu segura as pontas na Grécia, ao lado do raso Henri Castelli. De volta a São Paulo, Reynaldo Giannechini exibe os músculos e uma considerável evolução como ator. E, surpresa, o ótimo Cacá Carvalho ressuscita seu carismático Jamanta (criado em "Torre de Babel", em 1998).
De repente, surge a firme e forte Fernanda Montenegro, fazendo uma belicosa empresária da moda, e com ares de Odete Roitman (de "Vale Tudo", novela de 1988), exclama para a conciliadora Gloria Pires: "A ética já acabou há muito tempo neste planeta. Só os ingênuos acreditam nas grandes causas".
Prepare-se: "Belíssima" será a contrapartida telenovelesca do escândalo do "mensalão", do fim do sonho petista, do fracasso dos pobres e do novo revanchismo que se espalhou de repente por todo o Brasil.


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