São Paulo, sábado, 09 de dezembro de 2000

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"O SABADOYLE"

Obra do escritor Homero Senna compila atas das reuniões semanais que ocorriam no apartamento, no Rio de Janeiro, do advogado e bibliófilo

Volume dá continuidade a saraus de Plínio Doyle

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Na casa do Plínio Doyle/ Só há uma obrigação:/ cafezinho e um bate-papo/ de sua predileção."
Em um sábado inspirado, 6 de abril de 1974, de uma tacada só, o poeta Raul Bopp (1898-1984) faria estas quadrinhas tão definitivas e cunharia o neologismo "sabadoyle" para aquelas reuniões semanais que já vinham acontecendo havia dez anos.
Tudo tinha começado no Natal de 1964: uma visita rotineira do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) a Plínio Doyle, amigo advogado e dono de uma invejável biblioteca, daria início a um hábito semanal para uma sucessão de escritores e apaixonados pela literatura, durante quase 25 anos.
As reuniões só seriam suspensas em 1998, quando, devido a seu estado de saúde, Doyle decidiu acabar com os encontros.
Ele próprio um sobrevivente dos primeiros "sabadoyles", morreu, aos 94 anos, no último dia 26 de novembro, no Rio -em sua homenagem, os "Amigos do Sabadoyle" continuam a se reunir, uma vez por mês, desde junho do ano passado.
Agora chega às livrarias a reedição da "reportagem" feita por outro "sabadoyliano", o escritor Homero Senna, sobre as atas das reuniões, hábito que se incorporaria ao grupo a partir de 1972 (leia ao lado trecho de ata em verso, feita por Drummond).
"O Sabadoyle" traduz, sem maiores comentários de seu compilador, o espírito com que se produziam os encontros aos sábados, em um apartamento adquirido por Doyle em Ipanema apenas para abrigar sua biblioteca e receber os amigos.
"A gente conversava debaixo de primeiras edições, de raridades", conta Senna.
A biblioteca de Plínio Doyle, com mais de 25 mil volumes, entre livros e periódicos, foi vendida à Casa de Rui Barbosa em 1989.
Quando chegavam, no sábado à tarde, os convivas se espalhavam pelos quartos, cujas paredes estavam cobertas de livros, de alto a baixo.
Eram servidos café, biscoitinhos caseiros e bolo -nunca bebidas alcoólicas, a não ser um cálice de vinho do Porto em ocasiões mais especiais. "O Plínio não gostava", diz Senna.

"Academia do Bolinha"
Em princípio, era uma reunião exclusivamente de senhores a partir dos 50 anos, uma "academia do Bolinha", no dizer de Drummond: além dele e de Bopp, estavam, entre outros frequentadores, Pedro Nava, Joaquim Inojosa, Murilo Araújo, Prudente de Morais Neto, Afonso Arinos, José Américo de Almeida.
Aos poucos se incorporariam mulheres, como Maria José de Queirós, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst e Rachel de Queiroz, sob o olhar simpático de Esmeralda Doyle.
Sentados em torno ao café fumegante, servido pela empregada de Doyle, Idalina, ali se conversava de tudo, menos de política e religião. Embora os "sabadoyles" tenham aparecido em 1964, "um ano de muita divisão de espíritos", ainda segundo Drummond, a casa de Doyle era um "oásis" para as preocupações.
Pouco se tocava no assunto regime militar, a não ser nas entrelinhas, como fez Mário da Silva Brito, na ata da reunião de 25 de outubro de 1975, criticando em verso os tempos de então, tempos de "sequestros, torturas, traições, prisões, delações".
Em vez de "coisas sérias", porém, melhor era ouvir as piadas do cartunista Alvarus. Difícil mesmo era convencer o "ateiro" a deixar o papo, sentar-se e escrever algumas linhas sobre o que estava acontecendo.
Um dia, coube ao poeta Homero Homem, que ainda teve de suportar a galhofa, também em quadrinha, do amigo Sílvio Meira: "Injustiça que maltrata/ A escolha do Homero Homem,/ Pois enquanto escreve a ata,/ Os outros conversam e comem".


Livro: O Sabadoyle
Autor: Homero Senna
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 27 (208 págs.)





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