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CINEMA
Diretor francês de "Reis e Rainha", em entrevista à Folha, recusa identificação autoral e elogia Bergman e Wes Anderson
"Não sou um autor", afirma Desplechin
CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Alguns de seus companheiros
de geração já haviam vencido o
bloqueio da circulação no Brasil.
Mas, em comparação com Olivier
Assayas, Eric Rochant e Jacques
Audiard, era quase criminosa a
ignorância do trabalho de Arnaud
Desplechin imposta ao espectador brasileiro. O delicioso "Reis e
Rainha" quebra o jejum.
Exibidos aqui e ali em mostras,
seus filmes atraíam no máximo
um público cinéfilo de iniciados,
rapidamente convertido à exuberância do talento deste cineasta
hoje com 45 anos.
Tímido, este francês recusa para
si a identificação de autor, tão cobiçada pela maior parte de seus
colegas. Mas revela, como ogro cinéfilo, que é apenas um de seus
muitos disfarces.
Leia a seguir trechos da entrevista do diretor à Folha, por telefone, de Paris.
Folha - Você se considera integrante da geração de jovens cineastas franceses do início dos
anos 90?
Arnaud Desplechin - Sim, com
certeza. Tivemos a sorte de estarmos juntos naquele momento.
Com a exceção de Godard, de
Truffaut e de Rohmer, que fizeram filmes geniais, o cinema francês é muito marcado pela inveja.
Naquele momento, estávamos todos saindo das escolas, e não importava se alguém queria ser diretor, fotógrafo ou roteirista, apenas
valorizamos nossas próprias qualidades e participamos uns dos
trabalhos dos outros com um espírito de igualdade bastante agradável.
Folha - Quais são seus cineastas
preferidos?
Desplechin - Eu não gosto de separar o cinema popular do chamado cinema de autor, pois há
inúmeros filmes populares profundamente autorais e, por outro
lado, há tantos filmes de autor que
são ridículos. Tento ver filmes
sem estabelecer hierarquias. Particularmente, adoro Scorsese, um
autor complicado e fascinante.
Entre os jovens americanos, um
dos mais apaixonantes é Wes Anderson, com sua linguagem irônica que é bastante subversiva. Sem
esquecer Bergman, que mesmo
que diga ter se aposentado continua a fazer os melhores filmes do
mundo. Já dentro da tradição
francesa, me sinto muito ligado à
nouvelle vague. Isso pode parecer
um clichê, mas eu só descobri
bem tarde que a nouvelle vague é
um elogio da fantasia, à invenção
de novas formas, de novas maneiras de contar uma história.
Folha - Você se identifica como
autor?
Desplechin - Espero que não! (risos) A cada filme que faço, experimento uma espécie de fracasso
nesse sentido. Além disso, acho
que uma das invenções mais radicais de cinema e muito mais interessantes que o cinema de autor
são as séries populares de TV que
apareceram na passagem dos
anos 80 para os 90, sobretudo
"Seinfeld". É uma forma totalmente nova de escrever, com piadas surpreendentes, num formato radical. Para mim é uma forma
mais avançada de cinema que o
de autor.
Folha - Por que você, desde seu
primeiro filme, sempre utiliza os
mesmos atores?
Desplechin - Eu possuo um espírito de tribo. E trabalhar com essas pessoas é algo de que eu gosto
muito. É formidável descobrir um
belo rosto de passante no metrô,
mas é muito mais interessante
descobrir paisagens num rosto
que já se conhece.
Folha - Apesar de sua exuberante
direção de atores, você quebra a
unidade do jogo dos atores na
montagem, colando várias partes
de tomadas diferentes. Qual seu
método de trabalho nas filmagens
e na montagem?
Desplechin - Eu peço aos atores
para experimentar, pois o que me
interessa não é o resultado, é o
percurso. Eu prefiro obter deles
algo surpreendente em vez de
simplesmente reproduzir algo
que eu tenha inventado sozinho
enquanto escrevo um roteiro. Depois, na montagem, tento mostrar
todas as facetas que vão dar a um
personagem sua verdade, o que
não tem nada de simples.
Folha - Além do título, que parece
enigmático, você distribui ao longo
da narrativa uma série de imagens
da mitologia greco-romana que
nunca se encaixam com clareza. O
espectador deve se preocupar com
o sentido delas ou é melhor se
abandonar à história?
Desplechin - Eu preferiria que se
entregassem. Tentar fazer como
as crianças, que compreendem
tudo. Quando ouvimos pela primeira vez a história da Branca de
Neve, entendemos logo de cara
que ali há uma maçã, e que a maçã
é vermelha, mas que não se deve
comê-la.
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