São Paulo, sexta-feira, 09 de dezembro de 2005

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CINEMA

Diretor francês de "Reis e Rainha", em entrevista à Folha, recusa identificação autoral e elogia Bergman e Wes Anderson

"Não sou um autor", afirma Desplechin

CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Alguns de seus companheiros de geração já haviam vencido o bloqueio da circulação no Brasil. Mas, em comparação com Olivier Assayas, Eric Rochant e Jacques Audiard, era quase criminosa a ignorância do trabalho de Arnaud Desplechin imposta ao espectador brasileiro. O delicioso "Reis e Rainha" quebra o jejum.
Exibidos aqui e ali em mostras, seus filmes atraíam no máximo um público cinéfilo de iniciados, rapidamente convertido à exuberância do talento deste cineasta hoje com 45 anos.
Tímido, este francês recusa para si a identificação de autor, tão cobiçada pela maior parte de seus colegas. Mas revela, como ogro cinéfilo, que é apenas um de seus muitos disfarces.
Leia a seguir trechos da entrevista do diretor à Folha, por telefone, de Paris.

 

Folha - Você se considera integrante da geração de jovens cineastas franceses do início dos anos 90?
Arnaud Desplechin -
Sim, com certeza. Tivemos a sorte de estarmos juntos naquele momento. Com a exceção de Godard, de Truffaut e de Rohmer, que fizeram filmes geniais, o cinema francês é muito marcado pela inveja. Naquele momento, estávamos todos saindo das escolas, e não importava se alguém queria ser diretor, fotógrafo ou roteirista, apenas valorizamos nossas próprias qualidades e participamos uns dos trabalhos dos outros com um espírito de igualdade bastante agradável.

Folha - Quais são seus cineastas preferidos?
Desplechin -
Eu não gosto de separar o cinema popular do chamado cinema de autor, pois há inúmeros filmes populares profundamente autorais e, por outro lado, há tantos filmes de autor que são ridículos. Tento ver filmes sem estabelecer hierarquias. Particularmente, adoro Scorsese, um autor complicado e fascinante. Entre os jovens americanos, um dos mais apaixonantes é Wes Anderson, com sua linguagem irônica que é bastante subversiva. Sem esquecer Bergman, que mesmo que diga ter se aposentado continua a fazer os melhores filmes do mundo. Já dentro da tradição francesa, me sinto muito ligado à nouvelle vague. Isso pode parecer um clichê, mas eu só descobri bem tarde que a nouvelle vague é um elogio da fantasia, à invenção de novas formas, de novas maneiras de contar uma história.

Folha - Você se identifica como autor?
Desplechin -
Espero que não! (risos) A cada filme que faço, experimento uma espécie de fracasso nesse sentido. Além disso, acho que uma das invenções mais radicais de cinema e muito mais interessantes que o cinema de autor são as séries populares de TV que apareceram na passagem dos anos 80 para os 90, sobretudo "Seinfeld". É uma forma totalmente nova de escrever, com piadas surpreendentes, num formato radical. Para mim é uma forma mais avançada de cinema que o de autor.

Folha - Por que você, desde seu primeiro filme, sempre utiliza os mesmos atores?
Desplechin -
Eu possuo um espírito de tribo. E trabalhar com essas pessoas é algo de que eu gosto muito. É formidável descobrir um belo rosto de passante no metrô, mas é muito mais interessante descobrir paisagens num rosto que já se conhece.

Folha - Apesar de sua exuberante direção de atores, você quebra a unidade do jogo dos atores na montagem, colando várias partes de tomadas diferentes. Qual seu método de trabalho nas filmagens e na montagem?
Desplechin -
Eu peço aos atores para experimentar, pois o que me interessa não é o resultado, é o percurso. Eu prefiro obter deles algo surpreendente em vez de simplesmente reproduzir algo que eu tenha inventado sozinho enquanto escrevo um roteiro. Depois, na montagem, tento mostrar todas as facetas que vão dar a um personagem sua verdade, o que não tem nada de simples.

Folha - Além do título, que parece enigmático, você distribui ao longo da narrativa uma série de imagens da mitologia greco-romana que nunca se encaixam com clareza. O espectador deve se preocupar com o sentido delas ou é melhor se abandonar à história?
Desplechin -
Eu preferiria que se entregassem. Tentar fazer como as crianças, que compreendem tudo. Quando ouvimos pela primeira vez a história da Branca de Neve, entendemos logo de cara que ali há uma maçã, e que a maçã é vermelha, mas que não se deve comê-la.


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