São Paulo, quarta, 9 de dezembro de 1998

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CINEMA/EUA - CRÍTICA
"Psicose" volta explícito e gay

AMIR LABAKI
de Nova York

Até na ausência de projeções prévias para a crítica, Gus Van Sant procurou copiar Alfred Hitchcock em sua refilmagem de "Psicose", lançada na última sexta- feira nos EUA. Uma real preocupação com o mistério da trama pautou o sigilo em 1960. Agora, história fartamente conhecida, as razões não parecem assim tão nobres.
Não que Van Sant tenha quebrado sua promessa. Seu "Psicose" de fato praticamente retoma plano a plano o clássico hitchcockiano. O enredo é o mesmo: secretária rouba chefe, foge atabalhoadamente, desaparece ao escolher mal onde parar e é procurada por sua irmã, seu amante e um detetive.
O "Psicose" de Gus Van Sant parece a reencenação de um texto clássico. Roteiro e diálogos originais foram amplamente respeitados (Joseph Stefano assina ambos). A fidelidade mantém-se também para a quase totalidade dos ângulos e movimentos de câmera.
Mas há acréscimos. Van Sant explicita o que em Hitchcock era elíptico. Primeiro, no tratamento da cor. Hitchcock rodou em preto-e-branco para evitar o terror banal do sangue vermelho da célebre cena do chuveiro. Van Sant transformou seu filme num estudo em laranja (a verdadeira cor de sangue aguado), perdendo em elegância e contundência.
Segundo, sexo. O "Psicose" original ainda explode de erotismo. Sexo, e não dinheiro, é o centro do filme. Anthony Perkins transforma Norman Bates num vulcão de sexualidade indefinida e represada.
Van Sant simplifica tudo a partir de sua releitura escancaradamente homossexual. Substituindo Perkins, Vince Vaughn fez de Bates um gay afetado e insatisfeito, com roupas justas e risinho histérico. Lila Crane, a irmã que investiga, ressurge em versão lésbica na pele de Julianne Moore.
Os novos planos, por fim. Van Sant faz Bates se masturbar ao olhar, pelo buraco na parede, Marion se despindo. A tensão dramática cai quando antes subia.
Os curtos planos do ataque no chuveiro são intercalados com "takes" de nuvens agitadas. A estratégia se repete na cena da escada com o detetive Arbogast. O close da queda é agora interrompido por duas inserções: uma sedutora de máscara, uma vaca no pasto. Nos dois casos, o simbolismo é óbvio e dispensável.
O novo "Psicose" custou US$ 25 milhões. Não arrecadou nem US$ 10 milhões nas bilheterias no fim-de-semana de estréia. Gus Van Sant o dedica a Hitchcock. Não teria sido uma homenagem maior, e mais barata, restaurar e relançar o original?



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