São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 1998.




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TEATRO
'Galileu', 60, de Brecht, 100, volta a SP

ERIKA SALLUM
da Reportagem Local

"Que baixeza você recusaria cometer
Para extirpar toda a baixeza?
Se você pudesse transformar o mundo, o que
Você não aceitaria fazer?
Quem é você?" Bertolt Brecht

A peça que "matou" o dramaturgo alemão Bertolt Brecht e teve seu final alterado radicalmente pela bomba atômica ganha nova representação a partir de hoje no palco do novo teatro Carlos Miranda, em São Paulo.
A estréia nesta noite de "A Vida de Galileu" -que fez fama no Brasil em montagem histórica do Oficina- traz a importância do texto traduzida por números.
A nova versão da obra marca os 40 anos de carreira de um dos grandes atores brasileiros: Renato Borghi, exatamente o mesmo que viveu o Galileu da montagem do Oficina de 30 anos atrás, após a saída de Cláudio Corrêa e Castro do elenco.
Além disso, em 1998 é comemorado o centenário de nascimento de Brecht e os 60 anos de existência do texto.
Para o ensaísta e crítico literário Roberto Schwarz, que traduziu a peça para o português, "'Galileu' é um texto inovador na medida em que coloca o intelectual e a ciência como protagonistas da trama".
"Montar esse espetáculo agora é interessantíssimo, principalmente com o tema atual das mutações genéticas", explicou.
Na obra, Brecht mostra a saga do cientista italiano que defendia a teoria de que a Terra girava em torno do Sol -e não o contrário, como queria a igreja. Mas, para defender sua pele, ele abjurou de suas convicções.
"Galileu abdica de suas crenças porque ele não era um herói, mas um amante da boa vida, da carne, dos prazeres", afirmou Renato Borghi à Folha.
Durante a entrevista, o ator pontuou as diferenças marcantes que separam a peça dirigida por José Celso Martinez Corrêa em 68 e a de hoje, de Cibele Forjaz.
"Na época, o enfoque era o homem negando suas convicções por causa da Inquisição, um paralelo com a censura do regime militar. Estreamos junto com o AI-5."
Em uma das cenas, uma grade separava elenco e público, numa clara metáfora da repressão. Os atores cantavam então "toma um banho de lua...": "Já que não podíamos tomar banho de sol, gritávamos 'censurar ninguém se atreve...'", relembra, rindo.
Os atores chegaram a responder a um processo, quando um garoto da platéia abraçou um ator, e seu pai o tirou do teatro à força.
Trinta anos depois
Em 1998, tudo mudou. "Agora discutimos os caminhos da ciência neste final de milênio." O ator frisa que é totalmente a favor da tecnologia, "mas ela tem de aliviar a canseira de todos os homens".
"O que me fascina em Brecht, e o que faz dele um autor universal, é seu interesse pelo homem, pela humanidade", acrescenta Borghi.
No elenco, uma surpresa especial: o filho de Borghi, Ariel. A peça também conta com a participação de Regina Casé, que aparece num vídeo no início do espetáculo.
A montagem de Forjaz segue à risca o trabalho de Schwarz. Apenas na cena "Carnaval maio de 68" houve modificações, feitas com base em tradução de Jorge Mautner.
Em tempo: a explosão da bomba de Hiroshima fez Brecht modificar bastante o final de seu "Galileu". Em 10 de agosto de 1956, o dramaturgo alemão se sentiu mal durante um ensaio da peça. Morreu quatro dias depois.

Peça: A Vida de Galileu Autor: Bertolt Brecht Direção: Cibele Forjaz Com: Renato Borghi, Ariel Borghi, Alessandra Souto e outros Onde: teatro Carlos Miranda (al. Nothmann, 1.058, Campos Elíseos, tel. 011/3662-5177) Quando: de quinta a domingo, às 20h30 Quanto: R$ 10 e R$ 5 (estudantes)


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