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MEMÓRIA
Interessado em Orson Welles e Jean-Luc Godard, trabalho do diretor substitui obsessão glauberiana pela política
Primeiro, houve Glauber; depois, Rogério
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Primeiro, houve Glauber.
Depois, Rogério. Os maiores
talentos que o cinema brasileiro
produziu no sonoro. Glauber foi o
Moisés que atravessou o deserto
da indiferença crítica e levou o cinema brasileiro ao que considerava o início de sua história. Foi um
nacionalista à moda clássica.
Rogério chegou depois, em
1968, com o regime militar se fechando e em plena redescoberta
de Oswald de Andrade e sua antropofagia. Se Glauber sentia intensamente a necessidade de
mostrar o Brasil, Rogério sentia a
necessidade de mostrar cinema.
(Inútil dizer: para Rogério existir,
era preciso que Glauber, o pai, tivesse existido antes). Não era
mais Rossellini que lhe interessava, mas Orson Welles, Godard.
Assim era "O Bandido da Luz
Vermelha": Godard, Welles. Mais
o rádio, as manchetes de jornais, a
Boca do Lixo, o Brasil berrante e
aberrante que se consubstanciava
na nova metrópole, São Paulo.
Em vez da política, obsessão glauberiana, o banditismo, a revolta
inútil, desesperada contra uma vida que, sabe-se, não vai mudar.
E o "Bandido" era um filme de
ação. Feito para encher cinemas e
cair no gosto do público, o que
aliás aconteceu. Mas o Brasil já vivia o fechamento político. O pessimismo que o "Bandido" anunciava agora tinha tudo para se
consolidar. Rogério acabou, depois de "A Mulher de Todos",
construindo uma obra quase inteira no negativo.
No centro dela, sua obsessão: a
frustrada passagem de Welles pelo Brasil, espécie de prova de nossa impossibilidade histórica de
chegar a qualquer coisa ou lugar.
Glauber curtia o Terceiro Mundo,
que queria afirmar. Rogério achava isso o fim da picada: "O Terceiro Mundo vai explodir", dizia um
anão histérico do "Bandido".
Deve-se dar atenção a Ivan Cardoso, para quem por muitos anos,
no Rio, a obra de Rogério acabou
permanecendo à sombra da do
amigo Júlio Bressane. Ao retornar
a São Paulo, e ao reencontrar o
montador Silvio Renoldi ("Bandido"), sua obra passa por um último e magnífico florescimento, representado por "É Tudo Verdade" e "O Signo do Caos".
Este último, obsessivo, repetitivo, debate-se com a impossibilidade de mostrar -resultante da
frustração de Orson Welles. Como se "That's All True", o filme
brasileiro de Welles, nunca concluído, fosse o signo de nossos fracassos, e das políticas cinematográficas criadas para alimentar
mediocridades, negócios cinematográficos -mas não cinema.
"Você ainda não viu nada! Nem
vai ver!" é o achado amargo deste
filme dotado de uma radicalidade
que nem o público, nem o "establishment" parecem, hoje, interessados em cultivar. Mas nem
por um isso um filme menos notável e um fecho de trajetória digno do grande cineasta Rogério
Sganzerla.
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